Pra quem achava minha colecao grande.

Em primeiro lugar, parabéns ao conhecido do Allex pela coleção!

Lindos baixos!

Li os apartes dos colegas e tenho algumas observações a fazer. Como colecionador de brinquedos antigos e instrumentos musicais, eu tenho uma visão diferente sobre a coleção mostrada nessas fotos e vou dividir com vocês as minhas impressões.

1) Todo mundo é livre para colecionar o que bem entender, mesmo que seja só para contemplação.

2) Existem pessoas que amam música mas não querem ser instrumentistas.

Para tais pessoas o simples ato de ouvir música já é o bastante e alguma destas pessoas amam tanto a música que também querem ficar rodeados por instrumentos.

3) Outras pessoas colecionam instrumentos porque os acham bonito esteticamente.

4) Sobre coleções de instrumentos serem inúteis se eles não forem tocados. A idéia tem a sua lógica, mas ela está incorreta.

Muitas dos artefatos e peças expostas hoje em museu vieram de coleções particulares.

O ato de colecionar é o que permitiu que muitas coisas fossem preservadas ao longo da história. Sem tais coleções quase tudo o que temos preservado não existiria nos dias de hoje.

Quando vejo um desses instrumentos em coleção penso que ele está sendo preservado dos rigores da estrada e das marcas de uso. Penso que um instrumento em coleção é algo que, no futuro, poderá contar aos nossos netos sobre os instrumentos de antigamente.

5) Como colecionador, não posso sentir outra coisa se não admiração pelo êxito de um colega.

6) Como colecionador, tenho uma visão diferente de alguém que não passou pela experiência de colecionar.

Explico: É fácil olhar a foto e presumir que a coleção foi feita em menos tempo do que ela de fato levou.

Quando vejo a foto, imagino que a coleção tenha começado há muitos anos atrás.

Quem coleciona, garimpa. Quem garimpa, tem que ter paciência. Quem tem paciência, eventualmente acha.

Temos que colocar as coisas na sua perspectiva histórica. Um baixo qualquer da coleção dele hoje pode ter um valor elevado, mas na época original da compra, o valor poderia ter sido outro e bem inferior do que o atual.

Eu coleciono baixos desde que comecei a tocar e, naqueles tempos, alguns dos baixos que encontrei eram muito mais baratos do que hoje. Se eu fosse começar a minha coleção hoje, eu não teria como comprar boa parte do que tenho hoje pois o preço atual de algumas das coisas que tenho hoje é mais alto do que eu posso pagar no momento.

Sendo assim, este é um fator que tem que ser levado em consideração.

7) Quando você começa a colecionar algo, um fenômeno curioso acontece com você: As coisas começam a aparecer.

As pessoas começam a saber que você coleciona e as oportunidades aparecem. É místico dizer isso, mas acontece.

8 ) Provavelmente boa parte dos instrumentos desta coleção foram comprados de particulares. Nessas condições, a chance do baixo ser vendido por um preço mais em conta é bem maior.

9) Uma coleção dessas de forma alguma atrapalha aqueles que não tem instrumentos. Ao contrário, ela serve como mostra do triunfo da vontade do colecionador e serve como exemplo aos aspirantes a colecionador.

10) Para não dizer que não falei do assunto, o único caso em que uma coleção particular de instrumentos realmente pode atrapalhar o desenvolvimento musical das demais pessoas é uma coleção de bandoneons.

Para quem não sabe, o bandoneón é um instrumento musical de palhetas livres, semelhante a uma concertina, utilizado principalmente no Río de la Plata, Uruguai e Argentina, onde é o principal instrumento da orquestra de tango.

Eis uma foto.



A princípio, coleções particulares deste instrumento não causariam dano algum. Entretanto, o bandonéon é um instrumento que era feito na Alemanha e, com a Segunda Guerra Mundial, as fábrica ou foram fechadas ou foram transformadas em fábricas de armamento ou foram bombardeadas, de forma que este instrumento está, para todos os fins, extinto, pois os segredos de sua fabricação foram perdidos.

Apesar dos esforços em construir bandoneons no Brasil e na Argentina, nunca se conseguiu fazer um instrumento à altura dos alemães.

Com a crise da Argentina nos anos noventa, as pessoas descobriram uma fonte lucrativa de renda: Vender os bandoneons da família.

Sendo assim, uma grande parte dos instrumentos deixou o país para fazer parte de coleções particulares e, na Argentina, as pessoas não tinham mais como tocar tango no bandoneon por falta de instrumentos.

A situação é tão grave que o governo argentino decretou em 2010 uma lei que determina que o bandonéon é um patrimônio cultural da Argentina e que a saída destes instrumentos do país está proibida, exceto em casos em que o bandonéon ser levado pelo próprio dono para eventos musicais que visem divulgar o tango.

Mas este é um caso à parte. Bandoneons não são mais fabricados e não tê-los por perto para serem tocados significa a morte do tango.

Mas a possibilidade de extinção não é um problema que afeta o contrabaixo, de forma que coleções, por mais numerosas que sejam, em nada atrapalham quem quiser ser um dia contrabaixista.

andremega escreveu:^rapaz, mas num mundo onde:

- se faz aviões voando acima da velocidade do som;
- um computador é capaz de vencer o melhor ser humano no xadrez;
- um equipamento de comunicação sem fio capaz de falar com qualquer lugar do mundo, que tira foto, grava e reproduz áudio, vídeo, consegue jogar War com você e de quebra conseguem mais qualidade de áudio que estúdios profissionais caríssimos da década 70;
- carros que não precisam de motorista;
- fertilização humana in vitro;
- mísseis são lançados do outro lado do mundo com precisão de 11 metros;
- clonagem de mamíferos;


Qual seria a dificuldade de se fazer um Bandoneon? Se não fazem, é porque tem pouca serventia! Pelo visto pouca gente consome tango atualmente...

Bom, não quero desvirtuar o tópico, mas, como estudante de bandoneon, tenho que responder à esta pergunta. Peço licença a todos, pois a resposta será longa e será dada no intuito de trazer esclarecimento e corrigir, através do diálogo e da troca de experiência, noções que estão, ao meu ver, inexatas.

Parafraseando o Allex, a questão não é tão simples assim.

Apesar do avanço tecnológico dos dias de hoje, ainda existem coisas feitas pelos antigos que ainda não fomos capazes de replicar.

Um exemplo musical disso são os violinos Stradivarius.

Hoje existem no mundo apenas 60 violinos Stradivarius e os fabricantes - apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico - ainda não conseguem produzir instrumentos como os confeccionados por Antonio Stradivari, pois sua técnica não foi transferida para outros artesãos, trata-se de um conhecimento perdido. Os únicos capazes de fabricar instrumentos semelhantes eram dois dos contemporâneos de Stradivari, os quais faleceram há quase dois séculos e, como ele, também não transferiram seu conhecimento.

O mesmo aconteceu com o bandoneon. As maiores fábricas destre instrumento, ELA ( Earnest Louis Arnold ) e AA ( Alfred Arnold ), deixaram de existir há mais de 50 anos e muitos segredos de fabricação se perderam.

Note que em nenhum momento eu afirmei que não se consegue mais fazer bandoneons... O que disse é que não se consegue fazer mais fazer instrumentos com um timbre que seja equivalente ao dos feitos pela ELA e principalmente pela AA, o stradivarius do bandoneon.

E esse é um problema que nem mesmo os poucos luthiers europeus que ainda fazem o instrumento sob encomenda conseguiram solucionar. Mesmo os melhores bandoneons de luthier não tem o mesmo timbre dos instrumentos antigos.

O Brasil teve sua própria fábrica de bandoneon, a Danielson & Goettems, de Santa Rosa - RS. Esta fábrica produziu bandoneons desde meados da década de 50 até começos dos anos 80, mas a sonoridade deles não é apropriada para a execução do tango pois seu timbre é muito estridente se comparado aos instrumentos alemães. Eles são mais adequados para o chamamé e a música alemã.

Sendo assim, o bandoneon é praticamente um instrumento extinto e a razão para isso não está em uma eventual falta de serventia do instrumento.

As razões pelo declínio do bandoneon como instrumento de massa foram...

- A destruição das fábricas alemãs deste instrumento na segunda guerra mundial.

- Falta de pessoal qualificado para efetuar reparos.

- Um bom bandoneon tem, hoje, no mínimo 60 anos. Muitos destes instrumentos se deterioram pelo tempo, pelo uso normal, pelo mau uso, por terem sido guardados de modo incorreto ou por reparos mal feitos.

- Nem mesmo os bandoneons de luthier são importados para a Argentina e Uruguai ( países onde mais se desenvolveu a técnica do instrumento ) devido aos altos preços.

- O preço dos instrumentos remanescentes é tão alto que está fora do alcance de uma pessoa comum, o que dificulta que novas pessoas possam aprender a tocar bandonéon.

- Poucos instrumentos são mais difíceis de aprender do que o bandoneon.

Como o acordeón e a concertina, o bandoneón é composto de duas placas de palhetas livres, ligadas por um fole. O instrumento é executado ao abrir e fechar o fole, fazendo com que o ar passe pelas palhetas correspondentes aos botões que estejam apertados pelos dedos de ambas as mãos.

O bandoneón não possui um teclado cromático como o acordeón. Em vez disso, tem um conjunto de botões para cada mão. Cada botão produz notas diferentes ao abrir e fechar o instrumento. Como em cada lado a disposição das notas é diferente, é preciso aprender quatro layouts de notas diferentes, para conseguir tocar este instrumento. Além disso, os teclados não possuem uma sequência escalar. Em vez disso, os botões estão dispostos para facilitarem a formação de acordes. Por exemplo, três botões adjacentes podem produzir uma tríade Láb, Dó e Mib quando o fole é fechado, e a tríade Sol, Sib e Réb quando é aberto. Isso torna fácil a execução de músicas com progressões harmônicas simples, como I-V-IV, mas é muito difícil a execução de passagens melódicas e escalas.

Em miúdos, imaginem que vocês estão escrevendo um email com dois teclados, um para cada mão. Imaginem que, dependendo da palavra a ser escrita, a configuração de letras de cada um dos dois teclados seja alterada completamente à medida em que se escreve. Tocar bandoneon é algo parecido com isso.

Sendo o bandoneon um instrumento de tão difícil execução é normal que ele tenha caído em desuso porque há instrumentos de fole bem mais fáceis de serem aprendidos.

Uma sanfona é um instrumento muito mais fácil de se aprender por ter um teclado análogo ao do piano e por manter sempre as mesmas notas ao abrir e ao fechar.

Pela conjunção de fatores que eu descrevi, o bandonéon está quase desaparecido, mas poucos instrumentos tem um som tão completo ( em termos de tessitura sonora ) e um timbre tão belo quanto ele.

Sendo assim, dizer que não há serventia para o bandonéon é algo muito, muito longe da verdade.

A seguir, alguns exemplos da versatilidade e beleza deste instrumento.

Adios Nonino ( A obra prima de Astor Piazzolla )



Air ( Bach )



Ave Maria ( Schubert )



Yesterday ( Beatles )



Eleanor Rigby ( Beatles )



Um último detalhe: Não é que pouca gente consuma tango nos dias de hoje. Na Argentina e no restante do mundo o tango continua tendo o seu espaço e se revigorando também graças à mistura com a música eletrônica.

Não é porque não ouvimos mais tango por aqui que ele tenha deixado de existir.

andremega escreveu:^mas não deixaram de produzir excelentes violinos.

Correto. Mas violinos excelentes, por mais excelentes que sejam, não são similares.

Dpaulo escreveu:Zubrycky,
legal o seu depoimento e interessante saber que você estuda bandoneon.
Sou super fã do Piazzolla, tenho gravações, lps, cds etc etc. Para mim é um dos maiores compositores do século passado.
A contribuição que o Piazzolla deu para o tango é algo incomensurável.
Um ano antes do Piazzolla ter tido AVC fui num show dele aqui em Brasília no Teatro Nacional, algo que nunca esquecerei.

Em relação em falar que tem pouca gente consumindo tango, isso é cíclico e discutível.
Para se ter idéia o choro passou muito tempo assim no ostracismo e nos últimos anos voltou com força total.
Eu particularmente não sou tão fã do tango tradicional, eu sou fã mesmo é do Piazzolla.

Obrigado pelas suas palavras. É sempre bom conhecer um apreciador de Piazzolla.

Piazzolla é um dos maiores músicos de todos os tempos, na minha opinião. Nunca tive a ventura de vê-lo, infelizmente.

Ouvir Piazzolla é uma experiência transformadora. Para melhor. Quando ouvi Piazzolla a primeira vez a beleza sonora me extasiou e me perguntei como vivi sem nunca ter escutado a obra dele antes.

Quando me referi à questão de pouca gente consumindo tango foi só para apontar o fato de que não se pode tomar o Brasil de forma alguma como referência do que se escuta mundialmente. O Brasil, infelizmente, é um país que fecha as suas portas para a produção musical dos demais países da América Latina.

Além disso, muita música boa que fazemos é mais valorizada lá fora do que aqui.

O tango, claro, não dispõe mais hoje da mesma popularidade do passado, mas ele ainda tem o seu lugar. Nos últimos anos, a Argentina tem vivenciado uma revalorização do tango tradicional e o Gotan Project, através da fusão com a música eletrônica, tem ajudado a dar uma nova e contemporânea face ao tango.

Quanto ao bandoneon, ainda estou no começo. Bem no começo. Tenho muito o que estudar antes de dizer que toco alguma coisa. Mas chego lá.

Saudações,
Z.

P.S.: Um evento curioso que tive, relacionado à Piazzolla, foi conhecer, de forma breve, o baixista e o guitarrista que tocavam com Piazzolla ( Eles estavam indo para Los Angeles e fariam conexão em São Paulo )

Dpaulo escreveu:Zubrycky,
caso você ainda não conheça, compre sem falta o DVD do Richard Galliano tocando Piazzolla, é sensacional.

http://www.amazon.com/Richard-Galliano-Piazzolla-Forever-Concert/dp/B000ENUKLM/ref=sr_1_3?s=movies-tv&ie=UTF8&qid=1328395871&sr=1-3

O arranjo para Vuelvo al Sur é emocionante.

Muito obrigado pela dica, meu Caro! Farei isso assim que possível!

Nesse meio tempo, eis um pequeno presente que acabo de encontrar.

stubbadubs escreveu:Uli Salm tem bom gosto.

Conhece o cara? Ele comprou um Stingray 78 que era meu.