Uma estória de preconceito e repressão
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URSOBHZ
Mauricio Luiz Bertola
Maurício_Expressão
7 participantes
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Uma estória de preconceito e repressão
1974, cidade de São Paulo, eu fazia parte de um bando de adolescentes rockeiros e cabeludos da zona norte. Eu tinha 14 anos.
Numa tarde desse ano, um colega bem tranqüilo, desse grupo rockeiro, soava em seu violão, na varanda de sua casa, acordes de Led Zepplin.
Todos estudávamos na escola do bairro de manhã e a parte da tarde era dedicada invariavelmente a fazer lição de casa. Mas depois o tempo era nosso: TV, jogar bola na rua ou juntar os amigos numa roda, batendo papo e tocando rock.
Drogas? Nem pensar. Nessa época isso era mais lenda que realidade.
Nisso para uma viatura da polícia na porta da casa desse colega e pede para ele sair. Ele deixa o violão na varanda e sai de mãos para cima com sua calma habitual.
Após revista a polícia informa que iriam prendê-lo pois estava sem documentos. Meu colega contra argumenta que seu documento estava em casa e pede permissão para pegá-lo. Como resposta é jogado dentro do camburão...
Após umas 3 horas vagando com esse meu colega soltam-no dando risadas.
No dia seguinte, na aula, ele me conta essa estória e fico muito nervoso: Você poderia ter morrido, sabia? Afinal ele era cabeludo e a polícia poderia matá-lo por isso.
Lembrei do caipira que matou o motoqueiro cabeludo no Filme Easy Rider, apenas por que o cara era cabeludo...
Seria isso exagero meu?
Nesse mesmo bairro existiam 2 homo sexuais, já maiores de idade. Travestis? Nem pensar. Nessa época isso era mais lenda que realidade.
Eram trabalhadores como todos nós. Até discretos. Mas cometiam um pecado mortal: andavam de mãos dadas à noite.
Um deles chamava Paulo e outro José. Paulette e Zezinho pra quem os conhecia. Paulo, o loirinho, era bem mais feminino e uma vez o vi de batom num fliperama.
Fiquei sabendo no mesmo dia, com o pessoal, que a polícia tinha pegado Paulo a poucas horas.
No dia seguinte apareceu morto. O Zezinho também apareceu morto cerca de ano depois.
Ninguém se lembra disso. Mas o “Joelho de Porco”, uma banda de rock fez uma música para o Paulo logo depois de sua morte:
http://vagalume.uol.com.br/joelho-de-porco/videos/paulette-mon-amour.html
Fiquei surpreso:
Não esperava que alguém fizesse uma música sobre esse caso tão corriqueiro. Fiquei surpreso também com a coragem da banda em gravar essa música e mais ainda com a liberação dela pela censura.
Acho que eram os primeiros ares de Abertura que começava a acontecer no país.
Tenho esse disco em casa até hoje.
Uma vez perguntei para o Tico Terpins (baixista dessa banda) após um show: Você conhecia o Paulo e o Zezinho? Ele respondeu: Claro, quem não conhecia?
Eles eram conhecidos pois era raro homossexuais naquela época. Mesmo em São Paulo. Nem preciso explicar porque...
Numa tarde desse ano, um colega bem tranqüilo, desse grupo rockeiro, soava em seu violão, na varanda de sua casa, acordes de Led Zepplin.
Todos estudávamos na escola do bairro de manhã e a parte da tarde era dedicada invariavelmente a fazer lição de casa. Mas depois o tempo era nosso: TV, jogar bola na rua ou juntar os amigos numa roda, batendo papo e tocando rock.
Drogas? Nem pensar. Nessa época isso era mais lenda que realidade.
Nisso para uma viatura da polícia na porta da casa desse colega e pede para ele sair. Ele deixa o violão na varanda e sai de mãos para cima com sua calma habitual.
Após revista a polícia informa que iriam prendê-lo pois estava sem documentos. Meu colega contra argumenta que seu documento estava em casa e pede permissão para pegá-lo. Como resposta é jogado dentro do camburão...
Após umas 3 horas vagando com esse meu colega soltam-no dando risadas.
No dia seguinte, na aula, ele me conta essa estória e fico muito nervoso: Você poderia ter morrido, sabia? Afinal ele era cabeludo e a polícia poderia matá-lo por isso.
Lembrei do caipira que matou o motoqueiro cabeludo no Filme Easy Rider, apenas por que o cara era cabeludo...
Seria isso exagero meu?
Nesse mesmo bairro existiam 2 homo sexuais, já maiores de idade. Travestis? Nem pensar. Nessa época isso era mais lenda que realidade.
Eram trabalhadores como todos nós. Até discretos. Mas cometiam um pecado mortal: andavam de mãos dadas à noite.
Um deles chamava Paulo e outro José. Paulette e Zezinho pra quem os conhecia. Paulo, o loirinho, era bem mais feminino e uma vez o vi de batom num fliperama.
Fiquei sabendo no mesmo dia, com o pessoal, que a polícia tinha pegado Paulo a poucas horas.
No dia seguinte apareceu morto. O Zezinho também apareceu morto cerca de ano depois.
Ninguém se lembra disso. Mas o “Joelho de Porco”, uma banda de rock fez uma música para o Paulo logo depois de sua morte:
http://vagalume.uol.com.br/joelho-de-porco/videos/paulette-mon-amour.html
Fiquei surpreso:
Não esperava que alguém fizesse uma música sobre esse caso tão corriqueiro. Fiquei surpreso também com a coragem da banda em gravar essa música e mais ainda com a liberação dela pela censura.
Acho que eram os primeiros ares de Abertura que começava a acontecer no país.
Tenho esse disco em casa até hoje.
Uma vez perguntei para o Tico Terpins (baixista dessa banda) após um show: Você conhecia o Paulo e o Zezinho? Ele respondeu: Claro, quem não conhecia?
Eles eram conhecidos pois era raro homossexuais naquela época. Mesmo em São Paulo. Nem preciso explicar porque...
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Re: Uma estória de preconceito e repressão
Pois é Xará,
Só caras como nós é que sabem como era o Brasil dos anos 70....
Abç
Só caras como nós é que sabem como era o Brasil dos anos 70....
Abç
Mauricio Luiz Bertola- FCBR-CT
- Mensagens : 16619
Localização : Niterói, RJ
Re: Uma estória de preconceito e repressão
Olá!
Eu não vivenciei a época do regime militar, pois sou de 1976. Apenas convivi com os cometários em casa. Meu pai levou algumas cacetadas...., um tio meu foi caçado durante o regime (era oficial da aeronáutica),e chegou a ficar desaparecido uns tempos. Alguns familiares com ficha no DOPS, etc...
Não tenho experiência própria com esse período. Mas o que aprendi em casa tem valor....
Eu não vivenciei a época do regime militar, pois sou de 1976. Apenas convivi com os cometários em casa. Meu pai levou algumas cacetadas...., um tio meu foi caçado durante o regime (era oficial da aeronáutica),e chegou a ficar desaparecido uns tempos. Alguns familiares com ficha no DOPS, etc...
Não tenho experiência própria com esse período. Mas o que aprendi em casa tem valor....
URSOBHZ- Membro
- Mensagens : 1626
Localização : Mineiro, perdido no interior de São Paulo
Re: Uma estória de preconceito e repressão
Tenho 42,
Na década de 70 era comum ouvir piadas sobre os generais, contadas aos sussurros e se contasse em casa, levava um tapa na boca, seguido de muitos "psius" e "xxxxxxxxxxxxx" e uma tremenda bronca, o medo reinava e as paredes realmente tinham ouvidos...
Na década de 70 era comum ouvir piadas sobre os generais, contadas aos sussurros e se contasse em casa, levava um tapa na boca, seguido de muitos "psius" e "xxxxxxxxxxxxx" e uma tremenda bronca, o medo reinava e as paredes realmente tinham ouvidos...
Amagomes- Membro
- Mensagens : 5194
Localização : Rio de Janeiro
Re: Uma estória de preconceito e repressão
Eu tenho 42 anos e vivenciei a ditadura na adolescência. Qdo criança meu pai estudava advocacia na faculdade e trabalhava na Justiça e quase todo dia qdo chegava a noite em casa falava " Hoje pegaram fulano q estuda comigo". Tenho um primo q era militante estudantil na época e participava de protestos em Brasília, fugiu para o Rio de Janeiro para não ser morto. Aqui arranjou um emprego operador de computador no SERPRO. Ele trabalhava de madrugada, era cabeludo e tinha barba. Toda pessoa com esta aparência era rotulado como comunista, alusão a Che Guevara e a Fidel Castro. Um belo dia o diretor do SERPRO q era um general do exército, ficou até tarde no seu gabinete e passando viu meu primo, então chamou-o para conversar. Meu primo foi, então qdo entrou na sala foi abordado e revistado por 2 homens do COI e o general perguntou-lhe porque da barba e cabelo. Meu primo gelou, e deve uma saída inteligente. Argumentou q estudava o dia todo e saía correndo para o trabalho, por isto não tinha tempo de fazer a barba e cortar o cabelo. Então o general pediu provas e meu primo foi a sua mesa onde estava sua pasta com os livros da faculdade, mostrou aos COI. Então voltou a sala do general q o liberou, mas fez a exigência de toda segunda-feira vê-lo de barba feita e 2 em 2 meses de cabelo cortado. Assim meu primo se safou. Talvez hoje estaria morto e não poderia contar este acontecimento.
webercar- Membro
- Mensagens : 3167
Localização : Rio de Janeiro
Re: Uma estória de preconceito e repressão
Época braba ....tem muito destes "policiais " da década de 70 , vivos , gozando saúde , mas com o armario de casa cheio de fantasmas como companhia... companhia esta , ...que eles merecem....
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(Mark Twain)
Cantão- Moderador
- Mensagens : 21973
Localização : Bauru
Re: Uma estória de preconceito e repressão
Cantão escreveu:Época braba ....tem muito destes "policiais " da década de 70 , vivos , gozando saúde , mas com o armario de casa cheio de fantasmas como companhia... companhia esta , ...que eles merecem....
Meu Pai me contava umas histórias dessas. Meu avo foi várias vezes preso. Época muito complicada. E tem gente que diz que deveria voltar a ditadura...
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