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Terceiro Contraponto: Uma história improvável.

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Mensagem por Zubrycky Sex Jun 22, 2012 11:03 pm

Saudações a Todos!

Mais uma vez, da janela de meu quarto, contemplo a tarde, que desta vez apresenta-se de forma levemente plúmbea e acariciada por uma levíssima e insistente garoa.

Em minha cabeça, nesse momento, sinto um turvilhão de idéias para este Contraponto... Depois de ponderar, decidi qual trilha seguirei aqui.

Sendo assim, contarei uma historieta pessoal, contrabaixística e verídica, da qual farei parábola e moldura para o mote do Terceiro Contraponto.

Os eventos que narrarei a partir de agora ocorreram em 2006 e a historieta começa aqui mesmo, no meu quarto, no cenário cibernético de uma janela de msn flutuando na tela de meu antigo computador.

Estava mais uma vez conversando com meu grande amigo brasiliense, Eduardo... E, novamente, a conversa versava sobre modelos de contrabaixo elétrico.

Há alguns meses tínhamos este tipo de conversa. Ambos éramos (E ainda somos) contrabaixistas e Eduardo estava à caça de mais um instrumento para o seu arsenal.

Volta e meia ele me pedia um parecer sobre esse ou aquele modelo e eu procurava responder-lhe da melhor maneira possível... E os meses foram se passando nessa toada.

Um dia ele apareceu no msn e me perguntou o que eu achava sobre o contrabaixo Music Man feito pela OLP ( A OLP, para quem não sabe, era uma empresa que fabricava, na China, réplicas autorizadas de instrumentos de outras marcas). Respondi que eu já tinha visto estes instrumentos, mas nunca tive a oportunidade de testá-los e também lhe disse que um dos guitarristas da minha banda tinha uma guitarra OLP Music Man modelo Eddie Van Halen e que a guitarra era ótima e dotada de uma bela sonoridade, o que me fazia crer que os baixos da OLP também deveriam ser, no mínimo, de boa qualidade.

O tempo passou e um dia o Eduardo me disse que tinha a intenção de comprar um baixo OLP Music Man no Mercado Livre e queria a minha opinião sobre o assunto.

Vi o anúncio, pesquisei sobre o vendedor, não encontrei nada que o desabonasse, vi o preço pedido (Não me lembro agora quanto era, mas era um preço bem razoável) e, como o vendedor morava em São Paulo e, ainda por cima, em um bairro bem próximo ao meu, disse ao Eduardo que ele poderia combinar assim com o vendedor: Ele compraria o baixo no Mercado Livre para que o anúncio pudesse ser finalizado, o vendedor levaria depois o baixo para a minha casa para que eu o testasse, o vendedor levaria o baixo embora, eu mandaria um email para o Eduardo com as minhas impressões do baixo e, baseado na minha opinião, ele pagaria o vendedor ou cancelaria o negócio com ele.

O Eduardo propôs esse acordo ao vendedor e como ele concordou, assim foi feito. O anúncio do ML foi finalizado, o Eduardo me mandou um email com um questionário que eu deveria responder ao longo de meu teste e o vendedor foi para a minha casa com o instrumento.

Testei o contrabaixo, tendo em mente o questionário (reproduzido abaixo) que o Eduardo me mandou.

"- Saber se o captador é um music man original,
- Tempo de uso, idade do instrumento, estado geral (pintura, arranhões, marcas, etc),
- Qual encordamento e quanto tempo de uso,
- Condição do braço (se esta empenado, reto, se a ação das cordas esta baixa ou alta) sao 21 trastes,
- Estado das tarrachas, ponte, se estao com a pintura em perfeito estado, se tem marcas, se o numero, origem e logo do instrumento nao forma lixados ou adulterados (ficam na mão do instrumento),
- Estado do escudo (se ele é perolado, se esta muito arranhado ja q a finalidade dele e esse, se esta inteiro),
- Corpo do instrumento (se vc sente q é madeira sólida e nao farofa de madeira, se esta empenado, se a pintura é a original e confere com da foto desse link acima),
- Com ele ligado conferir se os knobs geram chiado excessivo ou nao, se estao em perfeito funcionamento, lembrando q devem ser 3 controles, 2 para volume e o mais a direita para tom.
- Ver a dinamica do som do instrumento, ele é passivo e assim deve soar , eu acho... "

Depois do teste, o vendedor levou o instrumento e eu mandei ao Eduardo um email com minhas respostas ao questionário. Algum tempo depois, meu amigo, satisfeito com o que escrevi naquela mensagem eletrônica, fez o pagamento e o vendedor retornou para minha casa para deixar o baixo aos meus cuidados.

Telefonei ao Eduardo para dizer que o baixo estava comigo. Conversamos sobre como o baixo seria enviado para Brasília e ele me disse que estava vendo uma transportadora e também a minha comissão pelos meus conselhos e pela minha ajuda.

Diante disso, não titubeei e lhe disse as seguintes palavras mágicas: "Façamos o seguinte: Eu vou pra Brasília lhe entregar o baixo em mãos e você usa esse dinheiro da transportadora e da minha comissão para me pagar uma passagem de volta, que tal?"

Ao longo dos anos, desde que nos conhecemos em 2000, a gente se encontrou algumas vezes (Quando eu ia para Brasília ou quando ele aparecia em São Paulo... Certa vez, inclusive, eu o hospedei em casa para que ele pudesse assistir aqui em São Paulo o show do Deep Purple com Orquestra, show que contava com a participação do saudoso Ronnie James Dio... Grande show, aliás), mas já fazia um bom tempo que não nos víamos... Sendo assim, Eduardo topou a idéia na hora e ambos ficamos felizes pela possibilidade de nos reencontrarmos.

Passagem comprada, fui (De novo) para Brasília (Cidade que amo e que pude visitar várias vezes).

Nos reencontramos na Rodoviária, e na casa do Eduardo, finalmente tirei o baixo do bag (Pois não era seguro fazê-lo na rodoviária) e, ao ver o instrumento ao vivo pela primeira vez, os olhos de meu amigo ficaram iluminados. Fiquei muito feliz em ver a felicidade dele ao saciar a GAS.

Fiquei alguns dias na casa dele. Conversa vai, conversa vem, o Eduardo queria marcar o ensaio com o Autoclave (A banda dele) o mais rápido possível para finalmente inaugurar o baixo. Por questões de agenda do baterista, o ensaio da banda infelizmente não aconteceu.

Como o Eduardo queria muito que eu pudesse ver o baixo em ação, o Thiago, guitarrista da banda dele foi chamado e um plano B foi posto em prática.

E assim, naquela tarde de sábado, ele marcou um ensaio em um estúdio e montamos uma banda na hora com o Eduardo na bateria, o Thiago na guitarra e este que vos fala no contrabaixo.

Nós fomos ao estúdio e passamos a tarde tocando. Improvisamos, aprendi algumas músicas do Autoclave e ensinei a eles algumas músicas simples de minha autoria.

O engraçado é que antes do ensaio, o Eduardo quis gravá-lo em um pequeno rádio com toca-fita e rodamos boa parte de Brasília atrás de uma fita cassete para que o ensaio pudesse ser gravado.

(Devo ressaltar que a cara de descrença em alguém precisar de uma fita cassete no ano de 2006 que nós vimos em alguns dos vendedores com os quais nos deparamos ao longa daquela jornada foi algo muito engraçado e completamente impagável... )

No fim daquela tarde ensolarada e quente, no apartamento do Eduardo, estávamos tomando cerveja, filosofando e ouvindo o ensaio gravado precariamente naquela fita cassete que tanto trabalho nos deu para encontrá-la.

Nesse meio tempo, ao ouvir uma das composições do Autoclave que tocamos naquela tarde, perguntei a eles se a banda já tinha alguma música gravada.

"Não", eles me disseram.

Ao ouvir isso, eu os exortei a gravar aquelas músicas o quanto antes, dizendo que aquelas músicas eram boas e mereciam ser gravadas.

Contei a eles sobre o que aprendi com um de meus mestres, Arnaldo Senise. Ele me dizia que música é som, que a partitura era um modo de registrar o som mas não era o som em si e que a história da música começou de fato a partir da invenção dos meios de gravação, pois somente a partir daí os documentos históricos passaram a conter, de fato, o som (E não mais apenas os meios de registrá-lo ou por meio de partituras ou por meio de pinturas de instrumentos).

Disse a eles, continuando com os ensinamentos que aprendi, que a música cessa de existir a partir do momento em que o som se dissipa e que a gravação é o único meio de perpetuar a música, enganando o silêncio final que a tudo e a todos engolfa... Disse a eles que aquelas músicas eram ótimas e que elas precisavam ser gravadas, porque a música que não é gravada é uma música destinada ao esquecimento, pois a música, sendo som, se dissipa e se esvai, desaparecendo para nunca mais retornar, exceto quando ela é registrada sob a forma de uma gravação.

A conversa prosseguiu por estes meandros e o pessoal ficou tão entusiasmado com tudo o que lhes disse que eles tomaram uma decisão que me pegou completamente de surpresa: Gravaríamos, de forma melhor, as nossas músicas naquela mesma noite.

O Eduardo pegou o telefone e iniciou uma verdadeira caça por um estúdio minimamente equipado e que tivesse um horário vago para aquela mesma noite. Quando finalmente o estúdio foi encontrado, marcamos na mesma hora um período de três horas (Mais precisamente, das onze horas até a uma da manhã), sendo duas horas para a gravação e uma para a mixagem.

No caminho para o Estúdio, paramos em um posto de gasolina para comprar alguns comes e bebes. Enquanto eu esticava um pouco as pernas, andando no meio das bombas de gasolina e comendo um pão de queijo, minha mente foi atingida de surpresa por uma idéia fulminante.

De repente, eu sabia o nome da banda. Eu simplesmente sabia.

Chamei o Eduardo e o Thiago e lhes disse, entusiasmado, "Já sei qual é o nome da banda!"

Quando eles me perguntaram pelo nome, eu lhes disse: "Os Improváveis."

O pessoal adorou o nome porque toda aquela situação era completamente improvável e o nome fez todo o sentido do mundo para nós. Afinal de contas, qual é a probabilidade de uma banda surgir do nada a partir de um não-ensaio de outra banda? E qual é a probabilidade de um baixista de São Paulo se unir à uma dupla brasiliense formada por um guitarrista e um baixista que aceitou ser baterista? E qual era a probabilidade de encontrarmos, e com tanta rapidez, um nome de banda tão perfeito para a nossa banda?

Por tudo isso, o nome era perfeito para nós, de forma que fomos ao estúdio devidamente batizados.

No caminho, decidimos também o que gravaríamos. Para simplificar e fazer o tempo exíguo render, decidimos gravar "Take My Hands" e "I Love You", duas das músicas de minha autoria que tocamos no ensaio daquela tarde, duas canções minhas que o Eduardo e o Thiago adoraram.

Apesar de corrermos contra o relógio, o processo todo fluiu sem tensão alguma. Usamos as 3 horas da seguinte forma: A primeira para timbrar os instrumentos, a segunda para gravar o instrumental (E também os solos de guitarra e os vocais, que seriam gravados separadamente logo na sequência) e a terceira hora para mixar tudo.

Tocamos e gravamos o instrumental (Bateria, baixo e guitarra base) com todos tocando ao mesmo tempo.O Thiago ficou dentro da sala de ensaios com o Eduardo. Eu fiquei do lado de fora da sala, na técnica, ao lado do Henrique, o engenheiro de som.

A bateria do Eduardo foi gravada com microfones no bumbo, na caixa e alguns outros para captar o som das demais peças. A guitarra do Thiago (Uma Tagima Zero) foi gravada com o amplificador devidamente microfonado. O contrabaixo foi ligado direto na mesa com o uso de uma direct box.

Toquei com palheta, tomando o cuidado para que a minha parte ficasse devidamente homogênea e fiquei de pé, sempre atento, o tempo todo para acenar para os meus colegas (separados de mim por um vidro) as mudanças de acordes e os finais das músicas.

Depois de tudo, fomos até um Pão de Açúcar 24h junto com o Henrique para comermos alguma coisa e a conversa prosseguiu pela madrugada brasiliense afora...

Ter participado dos Improváveis foi uma experiência inesperada, maravilhosa e cheia de frescor. O fato de todos nós sabermos que aquilo iria durar apenas aquela noite fez com que nossa atenção fosse concentrada apenas no aqui e no agora, de forma a aproveitar plenamente o momento e a saborear cada segundo dele.

Se eu tivesse que descrever hoje essa experiência usando termos televisivos eu diria que vivi um episódio da série "Anos Incríveis"... Foi algo digno de um Kevin Arnold.

E essa foi a história improvável dos Improváveis, um power trio 2/3 brasiliense e 1/3 paulista que durou do dia 20 de outubro de 2006 até o dia 21 de outubro de 2006.

E qual é a moral dessa história?

Bom, meus amigos, a moral da história é essa: Se vocês fazem parte de uma banda, seja ela cover ou autoral, independentemente do gênero musical adotado, procurem gravar o quanto antes, mesmo que o registro não seja o ideal.

Uma idéia não gravada é uma idéia perdida e se o legado de uma banda não é registrado, tais canções ficam apenas na memória de seus autores e acabam se perdendo para sempre, de forma que será como se elas nunca tivessem existido.

Olho as minhas pilhas de cds e vejo que uma delas contem apenas cds com registros de bandas das quais fiz parte ao longo destes anos.

Infelizmente não tenho gravações de todas as bandas das quais fiz parte ao longo de todos esses anos, mas tenho registros sonoros de boa parte delas... E assim, mesmo que muitas delas não mais existam há anos, essas bandas ainda vivem porque existem gravações delas que preservam as músicas que um dia eu toquei.

Sendo assim, meus caros, gravem, do jeito que for possível.

Música é som. Apenas som. E somente som.


Ainda que as idéias musicais possam ser escritas na partitura, ela não é capaz de descrever todas as nuances de uma performance e, mesmo que tal precisão fosse possível, um pedaço de papel é apenas o registro de uma idéia e não a idéia em si.

Na música clássica, até hoje há muita discussão sobre como exatamente determinadas peças antigas eram tocadas. Exemplificando, podemos presumir, baseado em documentos históricos, como Bach tocava as suas peças, mas jamais poderemos saber de fato como ele as tocava porque não existem registros sonoros registrados naquela época... Uma dúvida que jamais teremos, por exemplo, com Hendrix, pois suas gravações mostram, com todos os detalhes, como era o som de sua guitarra e como ela foi usada para expressar as idéias musicais dele.

Sendo assim, amigos, não deixem que a música dentro de vocês pereça. Preservem as suas idéias musicais para a posteridade. Gravem o seu som, do jeito que for, mas não se esqueçam de gravá-lo...

Até o próximo Contraponto!

Post Scriptum: Eis algumas fotos do baixo que protagonizou a história contada neste contraponto.

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Terceiro Contraponto: Uma história improvável. Olp-mm2-bk2

Post Scriptum 2: OLP significa "Officially Licensed Product".

Post Scriptum 3: Para os curiosos, eis as únicas duas músicas existentes dos Improváveis.

"Take My Hands".



"I Love You".



Post Scriptum 4: Uma das inspirações para este Contraponto foi a descoberta de uma banda nacional dos anos 70 chamada Rock da Mortalha.

Esse grupo, hoje completamente obscuro, fazia um som pesadíssimo para a sua época e era considerado o Black Sabbath brasileiro.

Quando soube da existência do Rock da Mortalha pela primeira vez, descobri que a banda nunca gravou nenhuma música... E isso me chateou profundamente porque não apenas sou um Sabbathmaníaco e queria mesmo ouvir o som deste grupo, mas também porque uma banda que não deixou gravações e uma banda que nunca existiu são, em termos sonoros e históricos, praticamente a mesma coisa.

Sem querer entregar os pontos, me dediquei a pesquisar sobre essa banda e fiquei muito feliz (E aliviado) ao finalmente encontrar algumas músicas registradas em um ensaio do Rock da Mortalha. Assim que as encontrei, ouvi avidamente o material, adorei as músicas que escutei e, para manter a banda viva, coloquei essas canções no youtube.

Para os curiosos, eis "O que Aconteceu", uma das canções do Rock da Mortalha.



A qualidade da gravação não é das melhores, mas esse é o único registro sonoro existente desta banda... O que prova que uma gravação com qualidade questionável é melhor, em termos históricos, do que nenhuma gravação.


Última edição por Zubrycky em Sex Jun 22, 2012 11:58 pm, editado 7 vez(es) (Motivo da edição : Reescrever... Não existe a Arte de Escrever Bem, existe a Arte de Reescrever.)

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