Por quê o Brasileiro tem vergonha de ser latino?

Eternas tentativas de entender o Brasil.

O que faz o Brasileiro ter vergonha de ser latino ou levantar o nariz em relação aos outros países latinos? Isso sempre me intrigou...

Convivi pouquíssimas vezes com latinos de países hispânicos, então não teria muito o que dizer, empiricamente falando. No entanto, se voltarmos à história, veremos que a colonização brasileira foi a única de origem portuguesa na América Latina, enquanto todas as outras, desde o famigerado Tratado de Tordesilhas, "celebrado" entre as coroas de Portugal e Castela, foram colonizações espanholas. Só aí já penso que dá uma diferença enorme.

A questão não é ser diferente, é se achar superior.

Eu convivi com todo tipo de latino que você imaginar.

allexcosta escreveu:Eternas tentativas de entender o Brasil.

O que faz o Brasileiro ter vergonha de ser latino ou levantar o nariz em relação aos outros países latinos? Isso sempre me intrigou...

Allex, nossa História e processos formativos são distintos de nossos irmãos latinos, apesar de algumas semelhanças.
Ademais, as elites brasileiras, quando da secessão entre os Impérios (Luso e Brasileiro), constituíram uma ideologia (cujo principal instrumento foi o IHGB) que buscava negar toda a herança cultural ibérica (mormente a portuguesa - e por tabela a espanhola), identificando-a com o atraso e o passado colonial.
O paradigma das elites brasileiras passou a ser a França e a Inglaterra industrial e, mais tarde os EUA. Essa ideologia (elitista por sí só), que servia aos interesses dessas elites, perpassou toda a cultura brasileira nos séculos XIX e XX. O próprio fato do Brasil ter-se constituído como um Império unificado e poderoso (em comparação com as fragmentadas Repúblicas latino americanas), dava à esses elites senhoriais, escravistas e profundamente eurocêntricas, um senso de desprezo em relação à nossos vizinhos e isso foi propagado com certa eficiência.

O Bertola matou. Enfim, quando me referi à colonização, Allex, quis dizer que essas diferenças de colonização trouxeram uma identidade nacional apartada do que identificamos hoje como latino/espanhol, enquanto os povos que se autoproclamam latinos, que são quase todos os outros (menos os protetorados franceses e ingleses acima de nós, geograficamente falando), criaram esquemas de união entre nações em prol de uma estabilização geopolítica anti-imperialista. A ideia de "Pátria Grande", de Simon Bolívar, por exemplo, não fazia o menor sentido para o povo brasileiro, que estava de olho nos países centrais do capitalismo mundial - Inglaterra inicialmente e, após o início do século XX, os EUA.

Sabia que o Bertola ajudaria e que a explicação teria um pé na história.

Muito Brasileiro leva um choque de realidade quando viaja pela américa latina e percebe que as estradas são melhores e as pessoas, em geral, mais bem educadas. Não em todos os lugares, é claro.

^ Eu já ouvi muitas pessoas que viajaram para fora dizerem que, nos centros de estudos latino-americanos, o pessoal dos países latinos estuda uma série de autores da história/política/sociologia, enfim, brasileiros que nós nem ouvimos falar. Ou seja, são pensadores que formaram as nossas ciências, mas que nós ignoramos solenemente, enquanto lá nesses países eles não ignoram e estudam como parte de um processo formacional do continente. Ou seja, até nisso a questão da dependência estrangeira (que é uma dependência de conhecimento e de processo formacional de nação, no fim das contas) pegou de jeito: estamos de costas par a América e de frente pra Europa. Isso tudo trabalha pra formar a identidade do povo, né.
Sobre a questão de educação, não sei dizer, mas a que tipo de experiências você se refere, Allex? Fiquei curioso.

allexcosta escreveu:Sabia que o Bertola ajudaria e que a explicação teria um pé na história.

Muito Brasileiro leva um choque de realidade quando viaja pela américa latina e percebe que as estradas são melhores e as pessoas, em geral, mais bem educadas. Não em todos os lugares, é claro.

Verdade Allex.
Veja aquele triste caso da tragédia da Chapecoense. A atitude do povo colombiano, de Medellin, cidade que sofreu o que sofreu e está se recuperando, demonstra claramente isso. Foi um "tapa na cara" dessa arrogância geral do brasileiro.
Mas repito: Esse processo é histórico, iniciado e cultivado por nossas elites, as mais cruéis, entreguistas, violentas, corruptas, hipócritas e bem sucedidas do mundo...

Willian Casagrande escreveu:estamos de costas par a América e de frente pra Europa.

Sei lá, eu não tenho o conhecimento sociológico que você ou o Bertola têm, mas me parece que o Brasil está de costas pra todo mundo e muito orgulhoso disso.

Willian Casagrande escreveu:mas a que tipo de experiências você se refere, Allex? Fiquei curioso.

Como disse, convivi com gente de praticamente todos os países da América Latina. Algumas pessoas bem simples, com pouca educação formal...

Tirando uns 3 países que prefiro não mencionar, o latino médio tem melhor conhecimento histórico do continente (como você citou), melhor noção de modos e boas maneiras, hierarquia, honra, respeito aos mais velhos e coisas do gênero, comparados ao Brasileiro médio.

Como honra, só um exemplo... Os latinos que conhecem o Brasil estranham muito que, em uma briga de bar entre Brasileiros, seja ok 2 contra 1, ou pegar uma cadeira pra dar na cabeça de alguém. Eles dizem que mesmo na briga deve haver honra e que 1 contra 1 sem nenhum tipo de arma é o justo. Mesmo assim, não se bate em alguém no chão... Coisas assim...

Ouço muito música latina e algumas delas falam em unificação do continente, em se levantar contra a opressão e a pobreza, unindo os povos e tal. Muitas letras citam países, mas nunca vi um compositor se lembrar do Brasil. Eles enxergam o Brasil como um local distante que eles não entendem bem.

o Brasil está de costas pra todo mundo e muito orgulhoso disso.
Allex, o Brasil, as elites brasileiras só dão ouvidos ao que existe no "Norte Maravilha", e, mesmo assim aquilo que interessa estritamente à manutenção de seus privilégios e poder; não tem projeto nacional, não visam o interesse coletivo, pois isso poria em risco seus absurdos privilégios...

Mauricio Luiz Bertola escreveu:Allex, o Brasil, as elites brasileiras só dão ouvidos ao que existe no "Norte Maravilha", e, mesmo assim aquilo que interessa estritamente à manutenção de seus privilégios e poder; não tem projeto nacional, não visam o interesse coletivo, pois isso poria em risco seus absurdos privilégios...

"Norte Maravilha" seria Estados Unidos?

Fora cultura boba de Hollywood, acho que os dois países não têm absolutamente nada a ver. A diferença do "mindset" médio entre um Americano e um Brasileiro é abismal.

Consigo entender que a origem é histórica, como o Bertola falou, mas acho que, nos dias atuais, duas coisas contribuem para esse nosso isolamento (que causa indiferença e até certo desprezo) em relação aos nossos vizinhos: o idioma (pois nós achamos que entendemos espanhol), e a mídia, que não mostra praticamente nada do que acontece fora do eixo EUA/Europa. Raramente vejo notícias da América Latina nos notíciários.

Certamente sabemos mais sobre o Japão, por exemplo, do que sobre nossos vizinhos. Acho que respeitamos mais também, por conhecer melhor.

allexcosta escreveu:

Mauricio Luiz Bertola escreveu:Allex, o Brasil, as elites brasileiras só dão ouvidos ao que existe no "Norte Maravilha", e, mesmo assim aquilo que interessa estritamente à manutenção de seus privilégios e poder; não tem projeto nacional, não visam o interesse coletivo, pois isso poria em risco seus absurdos privilégios...

"Norte Maravilha" seria Estados Unidos?

Fora cultura boba de Hollywood, acho que os dois países não têm absolutamente nada a ver. A diferença do "mindset" médio entre um Americano e um Brasileiro é abismal.

Não Allex, refiro-me ao "Hemisfério Norte" - Esse é um termo que refere-se às potencias ocidentais como um todo, mesmo que majoritariamente e atualmente aos EUA.
O fato de haver uma diferença cultural/educacional entre o brasileiro médio e o norte americano médio (se é isso a que você se refere com a expressão "mindset", que desconheço) é um resultado e não causa desse processo a que me referi acima.

"Mindset" é próximo de mentalidade. Imaginei que fosse uma palavra amplamente usada aqui, como "delivery".

joabi escreveu:Consigo entender que a origem é histórica, como o Bertola falou, mas acho que, nos dias atuais, duas coisas contribuem para esse nosso isolamento (que causa indiferença e até certo desprezo) em relação aos nossos vizinhos: o idioma (pois nós achamos que entendemos espanhol), e a mídia, que não mostra praticamente nada do que acontece fora do eixo EUA/Europa. Raramente vejo notícias da América Latina nos notíciários.

Certamente sabemos mais sobre o Japão, por exemplo, do que sobre nossos vizinhos. Acho que respeitamos mais também, por conhecer melhor.

Concordo Joabi.
Mas isso é um desenvolvimento, a expressão atual de um processo que vem do século XIX.
A mídia brasileira reproduz a ideologia elitista desde sempre...

allexcosta escreveu:"Mindset" é próximo de mentalidade. Imaginei que fosse uma palavra amplamente usada aqui, como "delivery".

De fato não conhecia ou não me lembrava dessa expressão...
Agora, o termo, o conceito "mentalidade" não pode ser usado como juízo de valor, pois é algo complexo e fruto de desenvolvimentos amplos, históricos, distintos...

Como filho de argentinos, essa questão sempre me intrigou. Talvez a resposta resida na questão do idioma, que o isola dos demais países da região.

Em tempo: Em Buenos Aires é muito fácil encontrar, nas lojas de disco, cds de artistas brasileiros. Já em São Paulo, é dificílimo encontrar cds de artistas argentinos.

P.S.: Tendo em vista a cobertura que é dada pela imprensa esportiva sobre a Libertadores, é vendida todo dia por ela uma ilusão, a de que o simples fato do time ser brasileiro o torna em um escrete invencível.

Sempre me vi como japonês, afinal tenho 50% de sangue nipônico em minhas veias. Todos meus primos maternos são chamados de japa invariavelmente no trabalho ou pelos amigos... Sou baixinho e gordinho, mas achava que era branquinho...
Apesar de morar em um país tropical, como Jorge Ben(jor) fala!

Entrei em minhas viagens pelos EUA (passagem pela imigração) por Miami, Atlanta e Detroit e nunca tive qualquer tipo de problemas, pelo contrário, uma vez em Detroit me pegaram na fila da alfândega e me mandaram direto para um cara sem passar por revista, raio-X e ele me devolver o passaporte já carimbado. Até comecei a abrir a mala para vistoria, mas ele gentilmente informou que eu estava liberado. Isso me poupou uns 40 min... Mas tive que esperar 2 colegas da empresa que viajavam comigo e que tiveram que passar por todo o desembaraço alfandegário normal.

Mas em minha última viagem profissional para Califórnia em 2016 entrei direto em Los Angeles, mas vindo da Cidade do México de uma conexão.
Foi uma das vezes em que minha entrada foi mais questionada e fizeram um montão de perguntas. Queriam carta da empresa que iria visitar (na primeira vez até levei uma carta-convite), mas como já era a quarta visita em 3 anos, nem pensei em pedir carta-convite.

Mas o mais engraçado foi que era a primeira vez que o guarda da alfândega veio falar comigo em espanhol. Ele pensou que eu era mexicano.
E eu não entendo nada de espanhol.

Dizia para ele que não estava entendendo em inglês e pedia que conversasse comigo em inglês e ele só falando espanhol.

Depois de muito olhar meus documentos (inclusive os documentos do Brasil como RG e carteira de motorista, meu dinheiro em reais, meu cartão profissional da empresa no Brasil, etc) e me questionar em espanhol (eu respondia em inglês quando consegui entender a pergunta).

Mudou a postura e me disse em inglês que eu estava liberado, mas com visível dúvida...

Foi a primeira vez que alguém achou que eu era Mexicano. Talvez por eu estar moreno de sol...

E foi a primeira vez que percebi que eu me achava brasileiro e não latino...

Porque o Americano tem birra com Mexicano?

Coder escreveu:Porque o Americano tem birra com Mexicano?

Não creio que sela "birra", mas sim preconceito e complexo de superioridade. Lembre-se de que na metade do século XIX os EUA conquistaram "na marra" quase metade do México...

Coder escreveu:Porque o Americano tem birra com Mexicano?

Os mexicanos são tratados de "cucarachas" (baratas) por alguns americanos. Não é "birra" mesmo: é ideologia de superioridade, típico de habitantes de países que exploram outros países, e isso tem razão de ser porque é um povo rebaixado pelo imperialismo dos caras. É horrível, claro, mas é real, não é invenção da cabeça de ninguém..
A relação dos irlandeses com a Inglaterra é análoga. A Irlanda era uma espécie de "fazenda de batatas" da "oficina do mundo" (a Inglaterra pós-rev. industrial) no século XIX, e isso gerou uma dependência econômica, cultural etc. que persiste até hoje.

Coder escreveu:Porque o Americano tem birra com Mexicano?

Não tem.

^ É o que ouço por aí...

Coder escreveu:^ É o que ouço por aí...

Ok.

allexcosta escreveu:

Coder escreveu:Porque o Americano tem birra com Mexicano?

Não tem.

Então, Allex, individualmente as pessoas podem até gostar, sair, casar, ter filhos etc. com mexicanos, mas xenofobia é, como toda ideologia, inconsciente e estrutural. Se você tem empresas aqui no Brasil, por exemplo, que só contratam, sei lá, bolivianos para pagar salário de fome (ou nem pagar salário) pra trabalhar costurando o dia todo, isso já é determinado por uma relação social que rebaixa quem mora num país mais pobre. Ou como os caras estrangeiros que vão para o Japão trabalhar em subemprego.
Para o brasileiro, por exemplo, alemão é "estrangeiro" e boliviano é "imigrante". Um, tudo bem vir, pode vir de balde; o outro, melhor ficar lá mesmo no canto dele. Ser imigrante é quase sempre um traço pejorativo na cultura moderna/ocidental/capitalista e já te joga num nível abaixo dos outros por uma série de fatores. A gente reproduz isso, as políticas públicas reproduzem isso, as relações entre nós reproduzem isso e a gente não nota, muitas vezes. Mas, é tudo real. É o mesmo caso, guardadas as peculiaridades, do brasileiro ter desdém pelos outros latinos de origem hispânica, que a gente comentou no outro tópico, já que a gente tá "voltado pros EUA e pra Europa" (ou pelo menos reproduzindo ideologicamente o que preconizam).

Refraseando: não tem especificamente contra os mexicanos, ou só contra os mexicanos, mas é complicado de explicar e tô com preguiça de escrever.

Por causa dele :

Bom tópico, ótimas informações
Sempre achei bem estranho o fato da música de outros países latinos não entrar no nosso mercado musical.

Juro q, se eu condições, faria uma faculdade de história.

Muito obrigago por seus apontamentos, Bertola!