Os Bons de Prosa - Onde estão os contadores de história atuais?

Olá...

Ontem a noite assisti a uma entrevista do Dorival Caymmi no Jo Soares, circa 1990, e reparei que o cara era bom de contar história. Falava calmamente, vinha com umas palavras naturais que se encaixavam super bem no papo. Logo me lembrei de Vinicius de Moraes e suas infindáveis histórias em entrevistas, também contados a toda calma e de certa forma, até ritmada. Depois assisti ao Milton em entrevistas, Rolando Boldrin, etc. Notei que todos usam de artifícios como a boa pausa, a entonação e outras ferramentas que tornam contar história uma ARTE (e que só percebi ontem... e laia...).

Ok, eram outros tempos. As pessoas não tinham muitas opções de entretenimento e sequer tinham o peso do mundo em seus bolsos.
O que ficou pairando em minha cabeça foi o fato de hoje não se ter mais esses contadores de histórias profissionais, os que meu avô chamavam de bom de prosa. Sejam os artistas da nova MPB: Luisa Ana Vitória, Maiara, Vittar, Ivete, Bruno, Marrone, Daniel, João Bosco etc, ou sejam os repórteres.

Enfim, é uma prática que se perdeu? Ou eu simplesmente descobri isso agora e não conheço outros nomes atuais?

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Edit: outra coisa que eu acho essencial que eles tinham e estamos perdendo é o fator MEMÓRIA. As histórias que eles contam podem nem ser fidedignas, mas passa um ar muito forte de memória de uma situação. Peça para alguém contar uma história X da vida dela hoje em dia e veja como será: foi assim, depois isso e isso. acabou. A vivência parece que teve seu valor diminuído.

Andre, antes de mais nada, achei seu tópico um tanto quanto enigmático. Você fala de contadores de estórias (ou histórias... fiquei na dúvida - pode ser até ambas) e coloca no meio cantores de MPB e repórteres (esses últimos que não necessariamente carecem de ser bons contadores de história do contexto romântico, mas sim jornalístico). Ainda assim, gosto de discussões filosóficas...

Eu tenho observado que as coisas vão guinando ao seu tempo. Por exemplo, EU adoro o Antônio Abujamra e seu espetacular jeito de falar... ele tornaria interessante a leitura de uma bula de Amoxilina. Mas estamos em uma sociedade que mal entenderia o que um cara desses fala e com isso não quero dizer que a sociedade tenha involuído (embora talvez tenha), quero dizer que mudamos um bocado. Hoje em dia são poucos os pais que param para conversar com os filhos, quiçá lhes contar uma estória. Logo, as pessoas deixam de apreciar esse tipo de coisa e se tornam mais pragmáticas. Isso é fortemente impactado também pelo individualismo dos dias atuais. Moramos em casas/prédios onde não sabemos quem são os vizinhos. Na minha opinião isso é só reflexo da sociedade atual.

Os contadores de estória/história da sociedade atual são aqueles que conseguem fazer um TED Talk de 10 a 15 minutos com um apelo sensacionalista capaz de emplacar 50.000 visualizações em dois dias, que é o que o que os produtores de conteúdo valorizam hoje em dia.

Valeu pela resposta Henri-Q

Ao criar o tópico passou em minha cabeça se eu estava sendo saudosista, mas a euforia pelas entrevistas desses caras fora tão grande que o coração guiou os dedos a fim de tentar expressar essa questão.

Sim, ao citar contadores de histórias incluí letristas de MPB pois os caras mandavam muito bem em suas letras. Quanto aos repórteres eu acho que errei a mão ao citá-los juntos com os contadores. O que fez eu citá-los é que parecia fácil conduzir uma entrevista antigamente. As pessoas falavam com pausas cheias de expressão e o termo jogar conversa fora parecia ter um sentido positivo. Analisando uma transição até hoje, eu já diria que entrevistas de Renato Russo (ficando no campo letrista/musical), por exemplo, já tinham menos dessa expressão e hoje estamos zerados.

Legal você ter falado do TED, apesar de achar bem interessante, os palestrantes parecem sempre estar atrás de passar uma mensagem 'vitoriosa na vida' - vide as pausas sem expressão que já são logo preenchidas por aplausos. Os da antiga parece que contam os causos dele de forma despropositada, pelo simples entretenimento e tudo soa bem mais orgânico, fluido.

Minha intuição diz que isso é muito parecido com a impressão daquele tópico do "Pq millenials tem ojeriza ao Groove?"
Tudo acaba tendo um objetivo, um esquadro, soa por muitas vezes sem personalidade.

Henri-Q escreveu: Logo, as pessoas deixam de apreciar esse tipo de coisa e se tornam mais pragmáticas.

Pois é, não tinha parado para pensar nisso. Atribui essa quebra de tradição de histórias as pessoas terem tanta info em seus bolsos que não conseguem mais parar para repensar uma situação e, assim, conseguir contar algo com início meio e fim, raciocinar o que viveu.
Hoje mesmo, o mundo inteiro - sim, o mundo INTEIRO - sabe sobre medicina, farmacologia, direito, etc mas não sabem da própria vida, da vida dos filhos e tal.


É, era mais fácil quando o Tim Maia filosofava em seus shows: "Tudo é tudo e nada é nada."

AndréBurger escreveu:Hoje mesmo, o mundo inteiro - sim, o mundo INTEIRO - sabe sobre medicina, farmacologia, direito, etc mas não sabem da própria vida, da vida dos filhos e tal.

Eu diria que o mundo inteiro ACHA que sabe sobre medicina, farmacologia, direito, etc...

https://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_Dunning-Kruger

Olha, André Burger, acho que bons contadores de histórias existem aos montes por aí. Só não vão a programas talk show, hehe...
E sério, nas praças das cidades do interior do Brasil deve chover senhorzinho contador de história. Em algumas cidades de SP têm umas figuras, hehe. 

Pra mim são justamente eles os contadores de história atuais (que sempre existiram). 
Acho que o pressuposto é a pessoa ser um tanto mais velha. Até porque não teria graça um jovem contador de histórias. Vai contar o quê? Hehe.

Eu mesmo já trabalhei com um senhor contador de história, poucos anos atrás.

Ôh, homem que contava história até amanhã de manhã se deixasse, hehe. Gente boa, saudades dele.

Sem falsa modéstia, eu sou um desses. Tanto por profissão, quanto pela vida que continuo tendo...
Quantas vezes sentei numa mesa de bar com meus alunos para conversar e aprender com eles, e contar os "causos" da minha vida.
E era assim que eu fazia com meus avós e professores quando eu era garoto...
Isso é uma das coisas que mais me faz falta na atual circunstância...

Tem algumas entrevistas que se tornam esse tipo de prosa, eu particularmente gosto muito de entrevistas com jogadores antigos ou com bastidores de coisas musicais.

O canal do Alê Oliveira reune varias perolas, vale a pena dar uma olhada.

Breno_Barnabe escreveu:Tem algumas entrevistas que se tornam esse tipo de prosa, eu particularmente gosto muito de entrevistas com jogadores antigos ou com bastidores de coisas musicais.

Breno, esportistas são muito gente boa mesmo. Eu nem gosto tanto futebol, mas nesses tempos de quarentena tenho almoçado assistindo aquele programa esportivo com a Renata Fan, Denilson e Ronaldo. Dou muitas risadas... acho aquela galera muito do bem!

Entre os violeiros ainda existe essa cultura, e, felizmente, Campinas tem muitos artistas da viola caipira.

Alguns que posso citar de cabeça, que incluem inúmeros momentos de "contar causos" em seus shows, são Paulo Freire (esse é contador nato), Almir Sater, Passoca, Ivan Vilela, João Paulo Amaral (e a irmã, Jualiana Amaral), etc...

Outro contador que gosto bastante é o Wandi Doratiotto, que apresentava o Bem Brasil, programa que era feito no SESC (Palcooo...), além de ser do grupo Premeditando o Breque. Muito legal o trabalho dele.

O pai de todos, não tem jeito, é o Rolando Boldrin. Verdadeira lenda.

Nas rodas de chôro isso também ainda é bem comum.

Antigamente, e aqui na região, isso costumava ser uma atividade de bairro, onde as pessoas ficavam na rua, reunidas com os vizinhos, contando e relembrando as histórias. Isso se perdeu mesmo, graças à TV, internet, novelas, e tudo aquilo que a gente sabe. É uma pena...

Meu pai adorava contar essas histórias, de épocas que eu não vivi, mas que eu sabia de cor, pela visão dele. Hoje ele não consegue mais, mas ainda tenho vontade de pedir para ele tentar contar uma dessa histórias e registrar em vídeo, para a "posteridade"...

joabi escreveu:
Entre os violeiros ainda existe essa cultura, e, felizmente, Campinas tem muitos artistas da viola caipira.

Alguns que posso citar de cabeça, que incluem inúmeros momentos de "contar causos" em seus shows, são Paulo Freire (esse é contador nato), Almir Sater, Passoca, Ivan Vilela, João Paulo Amaral (e a irmã, Jualiana Amaral), etc...

Outro contador que gosto bastante é o Wandi Doratiotto, que apresentava o Bem Brasil, programa que era feito no SESC (Palcooo...), além de ser do grupo Premeditando o Breque. Muito legal o trabalho dele.

O pai de todos, não tem jeito, é o Rolando Boldrin. Verdadeira lenda.

Nas rodas de chôro isso também ainda é bem comum.

Antigamente, e aqui na região, isso costumava ser uma atividade de bairro, onde as pessoas ficavam na rua, reunidas com os vizinhos, contando e relembrando as histórias. Isso se perdeu mesmo, graças à TV, internet, novelas, e tudo aquilo que a gente sabe. É uma pena...

Meu pai adorava contar essas histórias, de épocas que eu não vivi, mas que eu sabia de cor, pela visão dele. Hoje ele não consegue mais, mas ainda tenho vontade de pedir para ele tentar contar uma dessa histórias e registrar em vídeo, para a "posteridade"...

Esse Joabi falou tudo... Assino embaixo!

Esse tópico me fez lembrar de meu finado avô, no frio de Sapucaí Mirim (MG, perto de Campos do Jordão), na fazenda que tínhamos, sentado num banquinho sobre o fogão de lenha, quentando fogo, e contando causos de assombracão...
Comendo pinhão e batata doce assados nas cinzas do fogão e bebendo leite crú (sem ferver com aquela capa de nata super espessa...)

E derrentendo queijo na chapa... Era nossa tv noturna...

Mauricio Luiz Bertola escreveu:Sem falsa modéstia, eu sou um desses. Tanto por profissão, quanto pela vida que continuo tendo...
Quantas vezes sentei numa mesa de bar com meus alunos para conversar e aprender com eles, e contar os "causos" da minha vida...

Invejo-os.
Estar em uma mesa de bar contigo, com o Zubrycky, com o Joabi e com o Expressão (e com vários outros membros deste fórum) seria uma ótima experiência.

joabi escreveu:
Entre os violeiros ainda existe essa cultura, e, felizmente, Campinas tem muitos artistas da viola caipira.

Alguns que posso citar de cabeça, que incluem inúmeros momentos de "contar causos" em seus shows, são Paulo Freire (esse é contador nato), Almir Sater, Passoca, Ivan Vilela, João Paulo Amaral (e a irmã, Jualiana Amaral), etc...

Outro contador que gosto bastante é o Wandi Doratiotto, que apresentava o Bem Brasil, programa que era feito no SESC (Palcooo...), além de ser do grupo Premeditando o Breque. Muito legal o trabalho dele.

O pai de todos, não tem jeito, é o Rolando Boldrin. Verdadeira lenda.

Nas rodas de chôro isso também ainda é bem comum.

Antigamente, e aqui na região, isso costumava ser uma atividade de bairro, onde as pessoas ficavam na rua, reunidas com os vizinhos, contando e relembrando as histórias. Isso se perdeu mesmo, graças à TV, internet, novelas, e tudo aquilo que a gente sabe. É uma pena...

Meu pai adorava contar essas histórias, de épocas que eu não vivi, mas que eu sabia de cor, pela visão dele. Hoje ele não consegue mais, mas ainda tenho vontade de pedir para ele tentar contar uma dessa histórias e registrar em vídeo, para a "posteridade"...

Disseste-o bem joabi...

fheliojr escreveu:

Mauricio Luiz Bertola escreveu:Sem falsa modéstia, eu sou um desses. Tanto por profissão, quanto pela vida que continuo tendo...
Quantas vezes sentei numa mesa de bar com meus alunos para conversar e aprender com eles, e contar os "causos" da minha vida...

Invejo-os.
Estar em uma mesa de bar contigo, com o Zubrycky, com o Joabi e com o Expressão (e com vários outros membros deste fórum) seria uma ótima experiência.

Putz!
Seria mesmo!
Eu estou devendo uma ida à São Paulo à muito tempo... Para encontrar velhos amigos, meus professores da USP, etc...
Seria uma jornada e tanto!

Vi esse vídeo em outro tópico e imediatamente me lembrei desse...