Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
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Davi Motta
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Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Heavy Progressivo? Prog Metal? New Prog? Os gêneros são muitos e, mesmo assim, não compreendem todos os caminhos já trilhados pelos nova iorquinos do Dream Theater. A carreira de mais de 30 anos do quinteto tem quase todos os elementos que cunham uma banda que sobrevive à prova do tempo: troca de integrantes, glória, decadência, redenção... Os capítulos seguem sendo escritos sem esboçar um final tão logo.
As coisas começam em 1985, a partir do encontro de John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo) e Mike Portnoy (bateria) na tradicional Berklee College of Music, em Boston, onde todos eram alunos. Logo identificaram suas afinidades musicais e, sob o nome Majesty, iniciaram seu périplo um tanto quanto peculiar: apresentar uma música fundamentalmente “progressiva” quando o Progressivo tradicional já experimentava sua derrocada e os ventos rumavam para uma avalanche do Glam/Hard Rock, com seu Bon Jovi, Mötley Crüe e afins.
À essa altura já compunham a banda o tecladista Kevin Moore e o vocalista Chris Collins; este último defenestrado do grupo tal qual o nome “Majesty” – já registrado por um grupo de Las Vegas. Surge, então, “Dream Theater”, nome de uma sala de espetáculos da Califórnia, sugerido pelo pai de Mike Portnoy. Rebatizada, surge também um novo vocalista: Charlie Dominici. Com essa formação, gravam o primeiro disco, “When Dream and Day Unite” (1989).
Sob vários descumprimentos da gravadora à época, aliados a equívocos de produção e composição, o disco até alcançou boa recepção da crítica e do público – apesar da baixa tiragem disponibilizada. Agora com portfólio e lenha para queimar, a banda aumentou o volume de shows na região da cidade de Nova Iorque, chegando a abrir para nomes como Marillion. De um álbum de estreia meio atabalhoado, mas promissor, destacam-se “A Fortune in Lies”, “Ytse Jam” (leia de trás para frente) e “Only a Matter of Time”.
“Only a Matter of Time”
“Ytse Jam”
Limitações vocais e de performance fizeram – novamente – a troca de vocalista ser um mal necessário, uma vez que a banda buscava um conceito mais operístico, “num estilo mais como Bruce Dickinson ou Geoff Tate”, como cita o próprio Portnoy.
A busca por um novo frontman se revelou uma caminhada errática por longos dois anos, onde o que mais se salvou foram os embriões das composições do disco seguinte. Entre apresentações instrumentais ou usando nomes alternativos, chega a fita demo de James LaBrie, cantor canadense de um grupo de Glam Rock. O primeiro teste impressiona tanto que LaBrie é logo recrutado e as composições sob a égide da nova formação – e de uma nova gravadora – começam a tomar sua forma definitiva.
Com a experiência de trocas de vocalistas e quebras de contrato de gravadora, podia-se dizer que o Dream Theater já tinha pontos negativos sucessivos para uma curta carreira. Portanto, enveredar-se a lançar uma obra grandiloquente, com faixas longas, filigranas de Progressivo tradicional nos teclados no meio da Grunge-mania seria uma boa maneira de cravar o último prego do caixão. Em “Images and Words” (1992) deu-se justamente o oposto. Com um LaBrie ambientado à banda e ao estilo de forma quase miraculosa, o álbum se revelou um pujante êxito comercial. Impulsionado pelo sucesso “videoclíptico/radiofônico” de “Pull Me Under”, “Images and Words” rendeu Disco de Ouro, tour pela Europa e Japão. Registros ao vivo – o disco “Live at the Marquee” e o VHS (e posterior DVD) “Live in Tokyo” – davam a mostra inequívoca que a evolução chegara: havia ali um trabalho melhor gravado e, fundamentalmente, melhor composto. Um séquito de fãs se estabelecia, de guitar geeks até órfãos da frutífera era Prog setentista. E o Dream Theater se apresentava, enfim, como os carregadores da tocha quase apagada do estilo. Solos de guitarra e músicas de dez minutos flertavam com o mainstream, num duelo desigual frente a artistas como Pearl Jam e Nirvana. “Não haviam mais solos de guitarra e tivemos uma sensação de ‘oh, chegamos um pouco tarde com isso’. Mas de alguma forma o álbum sobreviveu e nós quebramos algumas barreiras”, relembra John Petrucci.
Com canções mais objetivas (“Pull Me Under”), épicos certeiros (“Metropolis Part I: The Miracle and the Sleeper” e “Learning to Live”) e belas baladas (“Another Day” e “Surrounded”), “Images and Words” se tornou logo um trabalho indispensável não apenas da banda, mas do gênero como um todo.
"Pull me under"
"Another day"
“Metropolis Part I”
Ansiosos para aproveitar o novo patamar alcançado, a banda entra em estúdio novamente para um terceiro trabalho. Lançado em 1994, “Awake” se mostrou um disco bem mais pesado que o anterior e, à época, recebeu críticas extremadas. A revista Q escrevia que “fãs de Marillion vão amar esse álbum e até os ouvintes mais céticos gostarão dos grudentos e radiofônicos refrões de ‘Scarred’ e ‘Caught In a Web’”; enquanto a publicação Metal Hammer dizia não passar de “masturbação musical”. O tecladista Kevin Moore deixa a banda na reta final das gravações alegando divergências musicais e um desejo de trabalhar em material próprio. As primeiras datas da turnê se aproximavam e as dificuldades – até então, “apenas” em encontrar um novo tecladista – ganharam um ar de dramaticidade quando James LaBrie teve uma intoxicação alimentar gravíssima, numa viagem de férias para Cuba.
Os primeiros shows começaram com um certo Jordan Rudess à frente das teclas, mas por pouco tempo. O músico optou por seguir com o Dixie Dregs, banda em que excursionava naquela época – o destino o faria cruzar o caminho do Dream Theater cinco anos mais tarde. Derek Sherinian (com passagens por Kiss e Alice Cooper) assumiu a turnê e firmava-se como novo integrante da banda, reestabelecendo, assim, o curso natural do quinteto novamente.
Ainda que hoje seja reconhecido como um dos melhores discos do grupo, pode-se dizer sem ressalvas que, à época, não foi bem assim, fazendo de “Awake” uma dessas obras de compreensão tardia, fenômeno recorrente em diversas searas da arte. Para muita gente, a atmosfera soturna e, ao mesmo tempo, extremamente melódica do disco jamais foi recriada no mesmo nível pelo Dream Theater.
Trilogia da suíte “A Mind Beside Itself”: “Erotomania”, “Voices” e “The Silent Man”
“The Mirror”
“Scarred”
Subvertendo a lógica de um EP, a banda lança, em 1995 “A Change of Seasons”. Do alto dos seus 57 minutos de duração, “A Change of Seasons” é um apanhado de covers gravados ao vivo, que vão de Led Zeppelin a Elton John, passando por Genesis, Journey e Queen, além da apoteótica faixa título e seus 23 minutos. Liricamente, a faixa trata do conceito de aproveitar a vida enquanto se pode, sem perder oportunidades, numa alegoria pessoal de Mike Portnoy e a perda de sua mãe, falecida em um acidente aéreo quando o baterista ainda era uma criança. Sem o peso e pressão de um full length, o EP cumpriu seu papel. A faixa “A Change of Seasons” figura como clássico absoluto na predileção dos fãs e é sempre aclamada nos shows em que aparece no setlist.
“A Change of Seasons”
“The Big Medley”
Após uma pequena temporada de shows entremeados por uma curta pausa, a banda retoma as composições de um novo trabalho surpreendida com a notícia de mudanças no comando da gravadora. A nova gestão queria um trabalho mais minimalista e, comercialmente falando, mais acessível. Sob um impasse estratégico entre os integrantes, o grupo compõe um vasto material e chega a cogitar um álbum duplo; ideia rechaçada pelo produtor Kevin Shirley (Iron Maiden, Rush, Journey). Ficam de fora músicas que seriam lançadas em bootlegs para fã clubes e miscelâneas de todo tipo – dentre essas canções excluídas, havia ali “Metropolis Part II”, que viria a ser desdobrada para se tornar um álbum completo alguns anos depois.
Nessa perspectiva instável, “Falling Into Infinity” (1997) se apresenta. Musicalmente mais pop, o que se nota é uma atmosfera bem mais suave em relação a seu antecessor. Logo percebe-se um novo patamar na qualidade da gravação, com tudo soando mais orgânico, especialmente a bateria. Faixas como “You Not Me” ou “Hollow Years” soam compreensíveis a todo tipo de ouvinte e as reações imediatas ao álbum foram, em geral, mornas tanto do público quanto da crítica. Há também a grandiloquência das longas canções, nuance que a banda definitivamente vinha cunhando como uma característica que veio para ficar, quase um statement disco a disco – é o caso de “Lines in the Sand” e “Trial of Tears”. E ainda que o trabalho também incorra hoje na ideia de “relevância póstuma”, “incompreendido” ou “subvalorizado”, a própria banda atribui “Falling Into Infinity” como o seu “álbum mais difícil”. O disco cresceu com os anos, mas segue longe de ser unanimidade. Rendeu um registro ao vivo – “Once in a LIVEtime” (1998), gravado na fatídica casa de shows francesa Le Bataclan e na Holanda.
“New Millenium”
“Hollow Years”
“Hell’s Kitchen”
Havia ainda mais um álbum no contrato com a gravadora e Mike Portnoy jurou não se submeter a nenhum controle criativo. O ultimato do baterista, na verdade, era como um ultimato para a sobrevivência da banda: outro trabalho controverso, que dividisse opiniões ou algo parecido poderia sepultar o Dream Theater em definitivo. Derek Sherinian é demitido e um certo tecladista que tinha encerrado seus trabalhos com o Dixie Dregs reaparece. Jordan Rudess assumia seu posto já sob a batuta de compor e gravar um verdadeiro “tudo ou nada”.
Formação acertada (novamente) e a clausura do estúdio dá as caras. Tentando emular o êxito de dias passados, a banda retorna ao BearTracks Studios, onde gravaram “Images and Words” e o EP “A Change of Seasons”. A liberdade artística tão clamada vinha logo na concepção. “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” (1999) insurgia como um disco conceitual, cujo enredo abordava a história de um homem (Nicholas) e as descobertas de sua vida passada, em uma trama permeada por romance, traição, assassinato e reviravoltas dignas de um blockbuster dos cinemas.
Musicalmente, o álbum é um choque quando comparado ao seu antecessor. Intricado, mas melódico; épico, mas complexo, “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” faz interessantíssimas referências à sua xará de 1992, “Metropolis Part I: The Miracle and the Sleeper”. Se a parte I era “apenas” uma música, a continuidade se transformou naquele que, para muitos, é o melhor disco do Dream Theater. De cara, é quase impossível ficar indiferente às primeiras notas de “Overture 1928”. Havia ali um instrumental que seguia virtuoso, mas nitidamente amadurecido e a emenda com “Strange Déjà Vu” é primorosa. A obra se desenrola com lindas baladas – “Through Her Eyes” e “The Spirit Carries On” –, psicodelias instrumentais – “The Dance of Eternity” – e grandes epopeias – “Fatal Tragedy” e “Home”.
A iminente cartada final dos norte-americanos deu-se num êxito completo: sucesso de público e crítica em níveis relevantes para se consolidarem em um mercado, mais uma vez, renovadíssimo. A onda Pop das boy bands/ninfetinhas “inocentes” dominava e coube ao Dream Theater extremar a ideia de all or nothing à última potência. O disco rendeu a turnê com mais datas da história do grupo até então, além de um DVD ao vivo (“Metropolis 2000: Scenes From New York”). Enfim, a consolidação. “Scenes From a Memory” ainda figura em diversas listas de “maiores álbuns de Prog Metal de todos os tempos”. O lançamento do disco triplo ao vivo (com o repertório do DVD acrescido de outras faixas) em pleno 11 de setembro de 2001, com a capa mostrando as torres gêmeas em chamas, apenas acendeu ainda mais toda a mística em volta do trabalho (obviamente que o disco ao vivo foi recolhido, sendo relançado com outra capa, tornando a versão original um item de colecionador raríssimo).
“Overture 1928”
“Home”
“The Spirit Carries On”
“Metropolis Part II: Scenes From a Memory”, acima de tudo, definiu o que era o Dream Theater; das gravadoras aos novos fãs, o trabalho firmava a essência da banda: camaleônica, mas fundamentalmente progressiva, pesada e melódica. Com essa ambiência definida, a banda entraria novamente no BearTracks Studios com autoridade para dar (todas) as cartas do que seria produzido. Gravado em 2001 e lançado no início do ano seguinte, “Six Degrees of Inner Turbulence” evidenciava que o quinteto não ousaria afrouxar as rédeas criativas – um álbum duplo, sendo o segundo disco uma composição de 42 minutos subdividida em seis partes (mais uma introdução e um encerramento, portanto, oito faixas).
O primeiro disco abre-se com a primeira parte da icônica “Twelve-Step Suite” (“Saga dos Doze Passos”, a sequência de cinco músicas – uma por álbum, a partir de “Six Degrees...” – abordando a luta pessoal de Mike Portnoy com o alcoolismo). “The Glass Prison” é pesada, densa e trata dos primeiros três passos da desintoxicação, segundo os princípios dos Alcóolicos Anônimos. Destacam-se ainda “Blind Faith” e a belíssima “Disappear”, ambas contribuições líricas de James LaBrie.
Já a faixa título, presente no segundo disco, foca em seis indivíduos com problemas mentais variados, como stress pós-traumático, esquizofrenia, autismo e depressão pós-parto. Adotando a mesma linha do álbum interior, as faixas muitas vezes se interligam dando a ideia de uma composição única (como, de fato, é). Porém, é inevitável analisar as canções de forma individual, como a melódica “About to Crash”, as carregadas “War Inside My Head” e “The Test That Stumped Them All” e a inocente “Solitary Shell” – com Jordan Rudess deixando nítidas suas influências em Rick Wakeman, do Yes. “Six Degrees of Inner Turbulence” manteve a banda em alto nível seja sob o prisma da crítica, como também de prolíficas turnês e, principalmente, dos fãs.
“The Glass Prison”
“Solitary Shell"
“Losing Time/Grand Finale”
Diferente do seu antecessor, que foi composto no próprio estúdio em que foi gravado, “Train of Thought” (2003) nasceu a partir de um período mais relaxado – porém, produtivo – de composição. O material foi escrito em estúdios de gravação em apenas três semanas e mostra uma nova faceta do grupo, com músicas diretas, mais pesadas e obscuras. Segundo Mike Portnoy, a ideia era “alcançar um novo grupo de fãs, com riffs mais pesados que atingissem uma nova geração de fãs do Metal”.
Em se tratando de Dream Theater é bom que se diga que canções mais diretas não significam, necessariamente, canções curtas. Excetuando a balada “Vacant” e a faixa de abertura “As I Am” – esta, com “apenas” oito minutos –, todas as faixas possuem no mínimo dez minutos. A premissa da objetividade que a banda quis seguir se manifesta justamente em “As I Am”, que abre o disco de forma absolutamente instigante. Louros aqui à John Petrucci e seu riff magnético; tônica, aliás, de todo o álbum. “This Dying Soul” e sua dose (um pouco exagerada) de virtuosismo dá continuidade à batalha (hoje, superada, é bom que se diga!) de Mike Portnoy com o alcoolismo; a própria “Vacant”, com seu cello quase fúnebre, faz referência a um episódio de um breve coma atravessado pela filha de James LaBrie; “In the Name of God” trata de ataques terroristas islâmicos. De fato, um disco pesado, na essência do termo.
Fato curioso é que essa alegoria “obscura” – com o encarte do álbum todo em preto e branco, inclusive – contrastava com o momento do Dream Theater enquanto artistas, uma vez que a banda experimentava uma franca ascensão, com a formação consolidada, registro dos aclamados DVD/CD “Live At Budokan”, no Japão, e com um aumento de público exponencial tanto quanto o apoio da gravadora.
"As i am"
“Endless Sacrifice”
“In the Name of God”
Em 2004, o Dream Theater já podia se orgulhar por dizer que havia concretizado praticamente tudo que sua liberdade criativa sonhou conceber. Discos genuinamente progressivos, álbuns duplos, conceituais, mais diretos, material ao vivo... E nesse ano, quando entraram em estúdio para gravar o seu oitavo trabalho de inéditas, permitiram-se apenas compor um material que fosse “um clássico álbum do Dream Theater”, como o grupo definia à época.
“Octavarium” foi lançado no ano seguinte e mostra uma banda ainda mais madura. A virtuose ainda está lá, porém, mais equilibrada, especialmente quando comparada ao trabalho anterior. Aqui é nítido o privilégio nas melodias – “I Walk Beside You” – e harmonias – “The Answer Lies Within”, mas sem perder o lado Heavy Prog – “Panic Attack”. Sem dúvidas o ápice está na faixa título e seus opulentos 24 minutos (que, acredite, passam voando quando a ambientação na música acontece).
As minúcias do álbum são um caso a parte. As faixas de “Octavarium” são interligadas e seguem a progressão das oitavas do piano, sendo cada uma das músicas composta sob um tom/nota diferente. De C (“dó”) à F (“fá”), todos os oito referenciais estão lá. Curiosidades como essas, aliás, que certamente merecem um debruço especial do ouvinte mais interessado não só neste disco, mas em toda a obra da banda. Como, por exemplo, notando que a última nota de “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” (1999) é a primeira de “Six Degrees of Inner Turbulence” (2002); cuja última nota abre “Train of Thought” (2003); que, por sua vez, tem seu encerramento introduzindo “The Root of All Evil”, primeira faixa de “Octavarium”. Filigranas como essas são apenas a ponta do iceberg de segredos escondidos na discografia da banda.
Uma vez imerso no universo eterno do Dream Theater, pode-se dizer, portanto, que “Octavarium” é sim um disco menos complexo e, definitivamente, fruto de artistas que davam mostras claras que sabiam converter tempo em evolução. A extensa turnê com quase todos os shows durando mais de 3h – e variando o setlist todas as noites – rendeu um novo DVD/CD. “Score” celebrava os 20 anos de carreira do grupo no mítico Radio City Music Hall, onde, no segundo ato da performance, a banda era acompanhada por uma orquestra de mais de 30 integrantes, conduzida por um maestro contemporâneo de Portnoy, Myung e Petrucci nos tempos de Berklee College.
“I Walk Beside You”
“Panic Attack”
“Octavarium”
Mantendo um clima mais tradicionalista, surge em 2007, “Systematic Chaos”. Não há aqui nenhum conceito subjetivo ou detalhes ocultos, mas “apenas” a banda em seu estado puro. A dualidade do nome do trabalho ironiza a impossibilidade de um cenário de caos possuir alguma sistematização e é definida por Mike Portnoy como “uma descrição que define bem o que é o Dream Theater”: um caos sistemático, uma grande convergência sonora, porém, com critérios e organização.
No álbum, a modernização gradativa que a banda vinha demostrando dá novas amostras. O baixo de John Myung, por exemplo, tão evidente nas mixagens de álbuns como “Images and Words” (1992) e “Awake” (1994) aqui está mais tímido – e até menos relevante. O que não impediu uma boa avaliação do trabalho pelo público e crítica, que considerou “Systematic Chaos” “mais um trabalho sólido” (MetalReview.com) ou ainda “quatro mestres da música que usam seus instrumentos como se fossem seus membros (...). LaBrie está mais maduro do que nunca” (Metal Invader).
A épica “In the Presence of Enemies” – subdividida em duas partes que, curiosamente, abrem e encerram o disco – é o ponto alto do álbum, enquanto a balada “Forsaken” (apesar do solo de guitarra equivocado para a proposta da faixa) e a intensa “Constant Motion” reforçam a capacidade de versatilidade dos nova iorquinos. “Prophets of War” teve o coro do refrão gravado por 60 fãs sortudos e é uma cartada das mais assertivas para um público mais renovado, enquanto “Repentance” desvela o penúltimo capítulo da “Saga dos Doze Passos” com uma interessante pegada desacelerada, contrastando com as partes anteriores, sempre energéticas. O DVD/CD “Chaos in Motion 2007-2008” traz um apanhado de trechos de shows gravados em vários países. A ideia, até louvável, produziu um material nitidamente inferior, já que a estrutura de captação das imagens e do áudio jamais seria a mesma de um registro feito em palco único. Em 2008, o Dream Theater ainda lançaria sua primeira e única coletânea até então. “Greatest Hit (...and 21 Other Pretty Cool Songs)” tem o cuidado de, em dois discos, ir além de uma simples compilação, tendo algumas faixas com as baterias regravadas, remixadas, além de lados B.
“In the Presence of Enemies, Pt. 1"
“In the Presence of Enemies, Pt. 2”
“Forsaken”
Tendo um impacto imediato de vendagem nas primeiras semanas de seu lançamento – com altos postos até na parada da Billboard –, “Black Clouds and Silver Linings” surge em 2009 como um dos discos da banda a causar maior expectativa. Muito disso se deveu à consistência do grupo, cuja formação definida dos integrantes resultou em sucessos comerciais lançamento após lançamento e mantinham a banda em constante ascensão. O novo álbum chegou em três versões: tradicional, com seis faixas inéditas; edição especial, sendo um disco triplo contendo, respectivamente, o álbum de forma convencional, as mesmas faixas, porém, em versão instrumental, sem solos e overdubs, e seis covers de bandas como Queen, King Crimson e Iron Maiden; e uma edição de luxo, com todo o conteúdo da edição especial mais vinil duplo 180 gramas, litogravuras assinadas pelo artista (responsável pela capa do trabalho) e outros atrativos.
As composições de “Black Clouds and Silver Linings” mantém a ideia de letras fundamentalmente pessoais, com arranjos dignos daquilo que fizeram o Dream Theater ser o que é. A direta “A Rite of Passage” ou “Wither”, com uma bela harmonia, revelam-se precisas, mas é em faixas como “The Shattered Fortress” – a conclusão da “Saga dos Doze Passos” – e principalmente em “The Count of Tuscany” que residem as maiores joias do trabalho. O álbum invariavelmente entraria para a história do grupo por ser o último com o baterista e fundador Mike Portnoy, que deixaria a banda em 2010 por pedir uma pausa aos companheiros e não ser atendido. Sempre envolto em diversos projetos, Portnoy preferiu dedicar-se a suas outras ativiaddes, como a já longeva parceria com o compositor Neal Morse, além de fundar bandas como o The Winery Dogs, Flying Colors e Sons of Apollo.
“A Rite of Passage”
“Wither”
“The Count of Tuscany”
Por Guilherme Mitre - Jornalista, Engenheiro Civil, baterista desde sempre. Fez parte da formação original da banda Rosa Ígnea que gravou 2 álbuns no estilo Metal Melódico. Tocou na banda Blues Gerais daqui de BH, mas como seu trabalho exige que ele viaje por muito tempo teve que passar as baquetas para outro. Como jornalista escreveu vários artigos para revistas especializadas em rock em seus mais variados estilos.
Tem 35 anos. E é o cara que mais conhece o DT que conheço. Por isso, o convite para fazer este tópico e a Parte II, que se seguirá em um futuro próximo.
As coisas começam em 1985, a partir do encontro de John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo) e Mike Portnoy (bateria) na tradicional Berklee College of Music, em Boston, onde todos eram alunos. Logo identificaram suas afinidades musicais e, sob o nome Majesty, iniciaram seu périplo um tanto quanto peculiar: apresentar uma música fundamentalmente “progressiva” quando o Progressivo tradicional já experimentava sua derrocada e os ventos rumavam para uma avalanche do Glam/Hard Rock, com seu Bon Jovi, Mötley Crüe e afins.
À essa altura já compunham a banda o tecladista Kevin Moore e o vocalista Chris Collins; este último defenestrado do grupo tal qual o nome “Majesty” – já registrado por um grupo de Las Vegas. Surge, então, “Dream Theater”, nome de uma sala de espetáculos da Califórnia, sugerido pelo pai de Mike Portnoy. Rebatizada, surge também um novo vocalista: Charlie Dominici. Com essa formação, gravam o primeiro disco, “When Dream and Day Unite” (1989).
Sob vários descumprimentos da gravadora à época, aliados a equívocos de produção e composição, o disco até alcançou boa recepção da crítica e do público – apesar da baixa tiragem disponibilizada. Agora com portfólio e lenha para queimar, a banda aumentou o volume de shows na região da cidade de Nova Iorque, chegando a abrir para nomes como Marillion. De um álbum de estreia meio atabalhoado, mas promissor, destacam-se “A Fortune in Lies”, “Ytse Jam” (leia de trás para frente) e “Only a Matter of Time”.
“Only a Matter of Time”
“Ytse Jam”
Limitações vocais e de performance fizeram – novamente – a troca de vocalista ser um mal necessário, uma vez que a banda buscava um conceito mais operístico, “num estilo mais como Bruce Dickinson ou Geoff Tate”, como cita o próprio Portnoy.
A busca por um novo frontman se revelou uma caminhada errática por longos dois anos, onde o que mais se salvou foram os embriões das composições do disco seguinte. Entre apresentações instrumentais ou usando nomes alternativos, chega a fita demo de James LaBrie, cantor canadense de um grupo de Glam Rock. O primeiro teste impressiona tanto que LaBrie é logo recrutado e as composições sob a égide da nova formação – e de uma nova gravadora – começam a tomar sua forma definitiva.
Com a experiência de trocas de vocalistas e quebras de contrato de gravadora, podia-se dizer que o Dream Theater já tinha pontos negativos sucessivos para uma curta carreira. Portanto, enveredar-se a lançar uma obra grandiloquente, com faixas longas, filigranas de Progressivo tradicional nos teclados no meio da Grunge-mania seria uma boa maneira de cravar o último prego do caixão. Em “Images and Words” (1992) deu-se justamente o oposto. Com um LaBrie ambientado à banda e ao estilo de forma quase miraculosa, o álbum se revelou um pujante êxito comercial. Impulsionado pelo sucesso “videoclíptico/radiofônico” de “Pull Me Under”, “Images and Words” rendeu Disco de Ouro, tour pela Europa e Japão. Registros ao vivo – o disco “Live at the Marquee” e o VHS (e posterior DVD) “Live in Tokyo” – davam a mostra inequívoca que a evolução chegara: havia ali um trabalho melhor gravado e, fundamentalmente, melhor composto. Um séquito de fãs se estabelecia, de guitar geeks até órfãos da frutífera era Prog setentista. E o Dream Theater se apresentava, enfim, como os carregadores da tocha quase apagada do estilo. Solos de guitarra e músicas de dez minutos flertavam com o mainstream, num duelo desigual frente a artistas como Pearl Jam e Nirvana. “Não haviam mais solos de guitarra e tivemos uma sensação de ‘oh, chegamos um pouco tarde com isso’. Mas de alguma forma o álbum sobreviveu e nós quebramos algumas barreiras”, relembra John Petrucci.
Com canções mais objetivas (“Pull Me Under”), épicos certeiros (“Metropolis Part I: The Miracle and the Sleeper” e “Learning to Live”) e belas baladas (“Another Day” e “Surrounded”), “Images and Words” se tornou logo um trabalho indispensável não apenas da banda, mas do gênero como um todo.
"Pull me under"
"Another day"
“Metropolis Part I”
Ansiosos para aproveitar o novo patamar alcançado, a banda entra em estúdio novamente para um terceiro trabalho. Lançado em 1994, “Awake” se mostrou um disco bem mais pesado que o anterior e, à época, recebeu críticas extremadas. A revista Q escrevia que “fãs de Marillion vão amar esse álbum e até os ouvintes mais céticos gostarão dos grudentos e radiofônicos refrões de ‘Scarred’ e ‘Caught In a Web’”; enquanto a publicação Metal Hammer dizia não passar de “masturbação musical”. O tecladista Kevin Moore deixa a banda na reta final das gravações alegando divergências musicais e um desejo de trabalhar em material próprio. As primeiras datas da turnê se aproximavam e as dificuldades – até então, “apenas” em encontrar um novo tecladista – ganharam um ar de dramaticidade quando James LaBrie teve uma intoxicação alimentar gravíssima, numa viagem de férias para Cuba.
Os primeiros shows começaram com um certo Jordan Rudess à frente das teclas, mas por pouco tempo. O músico optou por seguir com o Dixie Dregs, banda em que excursionava naquela época – o destino o faria cruzar o caminho do Dream Theater cinco anos mais tarde. Derek Sherinian (com passagens por Kiss e Alice Cooper) assumiu a turnê e firmava-se como novo integrante da banda, reestabelecendo, assim, o curso natural do quinteto novamente.
Ainda que hoje seja reconhecido como um dos melhores discos do grupo, pode-se dizer sem ressalvas que, à época, não foi bem assim, fazendo de “Awake” uma dessas obras de compreensão tardia, fenômeno recorrente em diversas searas da arte. Para muita gente, a atmosfera soturna e, ao mesmo tempo, extremamente melódica do disco jamais foi recriada no mesmo nível pelo Dream Theater.
Trilogia da suíte “A Mind Beside Itself”: “Erotomania”, “Voices” e “The Silent Man”
“The Mirror”
“Scarred”
Subvertendo a lógica de um EP, a banda lança, em 1995 “A Change of Seasons”. Do alto dos seus 57 minutos de duração, “A Change of Seasons” é um apanhado de covers gravados ao vivo, que vão de Led Zeppelin a Elton John, passando por Genesis, Journey e Queen, além da apoteótica faixa título e seus 23 minutos. Liricamente, a faixa trata do conceito de aproveitar a vida enquanto se pode, sem perder oportunidades, numa alegoria pessoal de Mike Portnoy e a perda de sua mãe, falecida em um acidente aéreo quando o baterista ainda era uma criança. Sem o peso e pressão de um full length, o EP cumpriu seu papel. A faixa “A Change of Seasons” figura como clássico absoluto na predileção dos fãs e é sempre aclamada nos shows em que aparece no setlist.
“A Change of Seasons”
“The Big Medley”
Após uma pequena temporada de shows entremeados por uma curta pausa, a banda retoma as composições de um novo trabalho surpreendida com a notícia de mudanças no comando da gravadora. A nova gestão queria um trabalho mais minimalista e, comercialmente falando, mais acessível. Sob um impasse estratégico entre os integrantes, o grupo compõe um vasto material e chega a cogitar um álbum duplo; ideia rechaçada pelo produtor Kevin Shirley (Iron Maiden, Rush, Journey). Ficam de fora músicas que seriam lançadas em bootlegs para fã clubes e miscelâneas de todo tipo – dentre essas canções excluídas, havia ali “Metropolis Part II”, que viria a ser desdobrada para se tornar um álbum completo alguns anos depois.
Nessa perspectiva instável, “Falling Into Infinity” (1997) se apresenta. Musicalmente mais pop, o que se nota é uma atmosfera bem mais suave em relação a seu antecessor. Logo percebe-se um novo patamar na qualidade da gravação, com tudo soando mais orgânico, especialmente a bateria. Faixas como “You Not Me” ou “Hollow Years” soam compreensíveis a todo tipo de ouvinte e as reações imediatas ao álbum foram, em geral, mornas tanto do público quanto da crítica. Há também a grandiloquência das longas canções, nuance que a banda definitivamente vinha cunhando como uma característica que veio para ficar, quase um statement disco a disco – é o caso de “Lines in the Sand” e “Trial of Tears”. E ainda que o trabalho também incorra hoje na ideia de “relevância póstuma”, “incompreendido” ou “subvalorizado”, a própria banda atribui “Falling Into Infinity” como o seu “álbum mais difícil”. O disco cresceu com os anos, mas segue longe de ser unanimidade. Rendeu um registro ao vivo – “Once in a LIVEtime” (1998), gravado na fatídica casa de shows francesa Le Bataclan e na Holanda.
“New Millenium”
“Hollow Years”
“Hell’s Kitchen”
Havia ainda mais um álbum no contrato com a gravadora e Mike Portnoy jurou não se submeter a nenhum controle criativo. O ultimato do baterista, na verdade, era como um ultimato para a sobrevivência da banda: outro trabalho controverso, que dividisse opiniões ou algo parecido poderia sepultar o Dream Theater em definitivo. Derek Sherinian é demitido e um certo tecladista que tinha encerrado seus trabalhos com o Dixie Dregs reaparece. Jordan Rudess assumia seu posto já sob a batuta de compor e gravar um verdadeiro “tudo ou nada”.
Formação acertada (novamente) e a clausura do estúdio dá as caras. Tentando emular o êxito de dias passados, a banda retorna ao BearTracks Studios, onde gravaram “Images and Words” e o EP “A Change of Seasons”. A liberdade artística tão clamada vinha logo na concepção. “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” (1999) insurgia como um disco conceitual, cujo enredo abordava a história de um homem (Nicholas) e as descobertas de sua vida passada, em uma trama permeada por romance, traição, assassinato e reviravoltas dignas de um blockbuster dos cinemas.
Musicalmente, o álbum é um choque quando comparado ao seu antecessor. Intricado, mas melódico; épico, mas complexo, “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” faz interessantíssimas referências à sua xará de 1992, “Metropolis Part I: The Miracle and the Sleeper”. Se a parte I era “apenas” uma música, a continuidade se transformou naquele que, para muitos, é o melhor disco do Dream Theater. De cara, é quase impossível ficar indiferente às primeiras notas de “Overture 1928”. Havia ali um instrumental que seguia virtuoso, mas nitidamente amadurecido e a emenda com “Strange Déjà Vu” é primorosa. A obra se desenrola com lindas baladas – “Through Her Eyes” e “The Spirit Carries On” –, psicodelias instrumentais – “The Dance of Eternity” – e grandes epopeias – “Fatal Tragedy” e “Home”.
A iminente cartada final dos norte-americanos deu-se num êxito completo: sucesso de público e crítica em níveis relevantes para se consolidarem em um mercado, mais uma vez, renovadíssimo. A onda Pop das boy bands/ninfetinhas “inocentes” dominava e coube ao Dream Theater extremar a ideia de all or nothing à última potência. O disco rendeu a turnê com mais datas da história do grupo até então, além de um DVD ao vivo (“Metropolis 2000: Scenes From New York”). Enfim, a consolidação. “Scenes From a Memory” ainda figura em diversas listas de “maiores álbuns de Prog Metal de todos os tempos”. O lançamento do disco triplo ao vivo (com o repertório do DVD acrescido de outras faixas) em pleno 11 de setembro de 2001, com a capa mostrando as torres gêmeas em chamas, apenas acendeu ainda mais toda a mística em volta do trabalho (obviamente que o disco ao vivo foi recolhido, sendo relançado com outra capa, tornando a versão original um item de colecionador raríssimo).
“Overture 1928”
“Home”
“The Spirit Carries On”
“Metropolis Part II: Scenes From a Memory”, acima de tudo, definiu o que era o Dream Theater; das gravadoras aos novos fãs, o trabalho firmava a essência da banda: camaleônica, mas fundamentalmente progressiva, pesada e melódica. Com essa ambiência definida, a banda entraria novamente no BearTracks Studios com autoridade para dar (todas) as cartas do que seria produzido. Gravado em 2001 e lançado no início do ano seguinte, “Six Degrees of Inner Turbulence” evidenciava que o quinteto não ousaria afrouxar as rédeas criativas – um álbum duplo, sendo o segundo disco uma composição de 42 minutos subdividida em seis partes (mais uma introdução e um encerramento, portanto, oito faixas).
O primeiro disco abre-se com a primeira parte da icônica “Twelve-Step Suite” (“Saga dos Doze Passos”, a sequência de cinco músicas – uma por álbum, a partir de “Six Degrees...” – abordando a luta pessoal de Mike Portnoy com o alcoolismo). “The Glass Prison” é pesada, densa e trata dos primeiros três passos da desintoxicação, segundo os princípios dos Alcóolicos Anônimos. Destacam-se ainda “Blind Faith” e a belíssima “Disappear”, ambas contribuições líricas de James LaBrie.
Já a faixa título, presente no segundo disco, foca em seis indivíduos com problemas mentais variados, como stress pós-traumático, esquizofrenia, autismo e depressão pós-parto. Adotando a mesma linha do álbum interior, as faixas muitas vezes se interligam dando a ideia de uma composição única (como, de fato, é). Porém, é inevitável analisar as canções de forma individual, como a melódica “About to Crash”, as carregadas “War Inside My Head” e “The Test That Stumped Them All” e a inocente “Solitary Shell” – com Jordan Rudess deixando nítidas suas influências em Rick Wakeman, do Yes. “Six Degrees of Inner Turbulence” manteve a banda em alto nível seja sob o prisma da crítica, como também de prolíficas turnês e, principalmente, dos fãs.
“The Glass Prison”
“Solitary Shell"
“Losing Time/Grand Finale”
Diferente do seu antecessor, que foi composto no próprio estúdio em que foi gravado, “Train of Thought” (2003) nasceu a partir de um período mais relaxado – porém, produtivo – de composição. O material foi escrito em estúdios de gravação em apenas três semanas e mostra uma nova faceta do grupo, com músicas diretas, mais pesadas e obscuras. Segundo Mike Portnoy, a ideia era “alcançar um novo grupo de fãs, com riffs mais pesados que atingissem uma nova geração de fãs do Metal”.
Em se tratando de Dream Theater é bom que se diga que canções mais diretas não significam, necessariamente, canções curtas. Excetuando a balada “Vacant” e a faixa de abertura “As I Am” – esta, com “apenas” oito minutos –, todas as faixas possuem no mínimo dez minutos. A premissa da objetividade que a banda quis seguir se manifesta justamente em “As I Am”, que abre o disco de forma absolutamente instigante. Louros aqui à John Petrucci e seu riff magnético; tônica, aliás, de todo o álbum. “This Dying Soul” e sua dose (um pouco exagerada) de virtuosismo dá continuidade à batalha (hoje, superada, é bom que se diga!) de Mike Portnoy com o alcoolismo; a própria “Vacant”, com seu cello quase fúnebre, faz referência a um episódio de um breve coma atravessado pela filha de James LaBrie; “In the Name of God” trata de ataques terroristas islâmicos. De fato, um disco pesado, na essência do termo.
Fato curioso é que essa alegoria “obscura” – com o encarte do álbum todo em preto e branco, inclusive – contrastava com o momento do Dream Theater enquanto artistas, uma vez que a banda experimentava uma franca ascensão, com a formação consolidada, registro dos aclamados DVD/CD “Live At Budokan”, no Japão, e com um aumento de público exponencial tanto quanto o apoio da gravadora.
"As i am"
“Endless Sacrifice”
“In the Name of God”
Em 2004, o Dream Theater já podia se orgulhar por dizer que havia concretizado praticamente tudo que sua liberdade criativa sonhou conceber. Discos genuinamente progressivos, álbuns duplos, conceituais, mais diretos, material ao vivo... E nesse ano, quando entraram em estúdio para gravar o seu oitavo trabalho de inéditas, permitiram-se apenas compor um material que fosse “um clássico álbum do Dream Theater”, como o grupo definia à época.
“Octavarium” foi lançado no ano seguinte e mostra uma banda ainda mais madura. A virtuose ainda está lá, porém, mais equilibrada, especialmente quando comparada ao trabalho anterior. Aqui é nítido o privilégio nas melodias – “I Walk Beside You” – e harmonias – “The Answer Lies Within”, mas sem perder o lado Heavy Prog – “Panic Attack”. Sem dúvidas o ápice está na faixa título e seus opulentos 24 minutos (que, acredite, passam voando quando a ambientação na música acontece).
As minúcias do álbum são um caso a parte. As faixas de “Octavarium” são interligadas e seguem a progressão das oitavas do piano, sendo cada uma das músicas composta sob um tom/nota diferente. De C (“dó”) à F (“fá”), todos os oito referenciais estão lá. Curiosidades como essas, aliás, que certamente merecem um debruço especial do ouvinte mais interessado não só neste disco, mas em toda a obra da banda. Como, por exemplo, notando que a última nota de “Metropolis Part II: Scenes From a Memory” (1999) é a primeira de “Six Degrees of Inner Turbulence” (2002); cuja última nota abre “Train of Thought” (2003); que, por sua vez, tem seu encerramento introduzindo “The Root of All Evil”, primeira faixa de “Octavarium”. Filigranas como essas são apenas a ponta do iceberg de segredos escondidos na discografia da banda.
Uma vez imerso no universo eterno do Dream Theater, pode-se dizer, portanto, que “Octavarium” é sim um disco menos complexo e, definitivamente, fruto de artistas que davam mostras claras que sabiam converter tempo em evolução. A extensa turnê com quase todos os shows durando mais de 3h – e variando o setlist todas as noites – rendeu um novo DVD/CD. “Score” celebrava os 20 anos de carreira do grupo no mítico Radio City Music Hall, onde, no segundo ato da performance, a banda era acompanhada por uma orquestra de mais de 30 integrantes, conduzida por um maestro contemporâneo de Portnoy, Myung e Petrucci nos tempos de Berklee College.
“I Walk Beside You”
“Panic Attack”
“Octavarium”
Mantendo um clima mais tradicionalista, surge em 2007, “Systematic Chaos”. Não há aqui nenhum conceito subjetivo ou detalhes ocultos, mas “apenas” a banda em seu estado puro. A dualidade do nome do trabalho ironiza a impossibilidade de um cenário de caos possuir alguma sistematização e é definida por Mike Portnoy como “uma descrição que define bem o que é o Dream Theater”: um caos sistemático, uma grande convergência sonora, porém, com critérios e organização.
No álbum, a modernização gradativa que a banda vinha demostrando dá novas amostras. O baixo de John Myung, por exemplo, tão evidente nas mixagens de álbuns como “Images and Words” (1992) e “Awake” (1994) aqui está mais tímido – e até menos relevante. O que não impediu uma boa avaliação do trabalho pelo público e crítica, que considerou “Systematic Chaos” “mais um trabalho sólido” (MetalReview.com) ou ainda “quatro mestres da música que usam seus instrumentos como se fossem seus membros (...). LaBrie está mais maduro do que nunca” (Metal Invader).
A épica “In the Presence of Enemies” – subdividida em duas partes que, curiosamente, abrem e encerram o disco – é o ponto alto do álbum, enquanto a balada “Forsaken” (apesar do solo de guitarra equivocado para a proposta da faixa) e a intensa “Constant Motion” reforçam a capacidade de versatilidade dos nova iorquinos. “Prophets of War” teve o coro do refrão gravado por 60 fãs sortudos e é uma cartada das mais assertivas para um público mais renovado, enquanto “Repentance” desvela o penúltimo capítulo da “Saga dos Doze Passos” com uma interessante pegada desacelerada, contrastando com as partes anteriores, sempre energéticas. O DVD/CD “Chaos in Motion 2007-2008” traz um apanhado de trechos de shows gravados em vários países. A ideia, até louvável, produziu um material nitidamente inferior, já que a estrutura de captação das imagens e do áudio jamais seria a mesma de um registro feito em palco único. Em 2008, o Dream Theater ainda lançaria sua primeira e única coletânea até então. “Greatest Hit (...and 21 Other Pretty Cool Songs)” tem o cuidado de, em dois discos, ir além de uma simples compilação, tendo algumas faixas com as baterias regravadas, remixadas, além de lados B.
“In the Presence of Enemies, Pt. 1"
“In the Presence of Enemies, Pt. 2”
“Forsaken”
Tendo um impacto imediato de vendagem nas primeiras semanas de seu lançamento – com altos postos até na parada da Billboard –, “Black Clouds and Silver Linings” surge em 2009 como um dos discos da banda a causar maior expectativa. Muito disso se deveu à consistência do grupo, cuja formação definida dos integrantes resultou em sucessos comerciais lançamento após lançamento e mantinham a banda em constante ascensão. O novo álbum chegou em três versões: tradicional, com seis faixas inéditas; edição especial, sendo um disco triplo contendo, respectivamente, o álbum de forma convencional, as mesmas faixas, porém, em versão instrumental, sem solos e overdubs, e seis covers de bandas como Queen, King Crimson e Iron Maiden; e uma edição de luxo, com todo o conteúdo da edição especial mais vinil duplo 180 gramas, litogravuras assinadas pelo artista (responsável pela capa do trabalho) e outros atrativos.
As composições de “Black Clouds and Silver Linings” mantém a ideia de letras fundamentalmente pessoais, com arranjos dignos daquilo que fizeram o Dream Theater ser o que é. A direta “A Rite of Passage” ou “Wither”, com uma bela harmonia, revelam-se precisas, mas é em faixas como “The Shattered Fortress” – a conclusão da “Saga dos Doze Passos” – e principalmente em “The Count of Tuscany” que residem as maiores joias do trabalho. O álbum invariavelmente entraria para a história do grupo por ser o último com o baterista e fundador Mike Portnoy, que deixaria a banda em 2010 por pedir uma pausa aos companheiros e não ser atendido. Sempre envolto em diversos projetos, Portnoy preferiu dedicar-se a suas outras ativiaddes, como a já longeva parceria com o compositor Neal Morse, além de fundar bandas como o The Winery Dogs, Flying Colors e Sons of Apollo.
“A Rite of Passage”
“Wither”
“The Count of Tuscany”
Por Guilherme Mitre - Jornalista, Engenheiro Civil, baterista desde sempre. Fez parte da formação original da banda Rosa Ígnea que gravou 2 álbuns no estilo Metal Melódico. Tocou na banda Blues Gerais daqui de BH, mas como seu trabalho exige que ele viaje por muito tempo teve que passar as baquetas para outro. Como jornalista escreveu vários artigos para revistas especializadas em rock em seus mais variados estilos.
Tem 35 anos. E é o cara que mais conhece o DT que conheço. Por isso, o convite para fazer este tópico e a Parte II, que se seguirá em um futuro próximo.
Tarcísio Caetano- Membro
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Davi Motta, Shaolin e Marlim gostam desta mensagem
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Amo essa banda.
Sei que muitos não gostam e respeito isso, mas minha relação de amor com eles levou a inclusive gravarmos um cover deles no primeiro album da minha banda
Sei que muitos não gostam e respeito isso, mas minha relação de amor com eles levou a inclusive gravarmos um cover deles no primeiro album da minha banda
Marlim- Membro
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Localização : BH
Davi Motta e Tarcísio Caetano gostam desta mensagem
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Se algum dia me perguntassem se tivesse que escolher uma banda para ouvir pelo resto da vida, responderia sem pensar, DT.
Tenho alguns bass coveres deles no meu canal (Pull Me Under, Metropolis Pt I, Stream of Consciousness e Unterthered Angel), além de algumas versões só no baixo (Space Dye Vest, Wait For Sleep e Vacant). Gostaria de fazer mais bass coveres, mas como exige muito tempo de dedicação, tem ficado para depois...
Tenho alguns bass coveres deles no meu canal (Pull Me Under, Metropolis Pt I, Stream of Consciousness e Unterthered Angel), além de algumas versões só no baixo (Space Dye Vest, Wait For Sleep e Vacant). Gostaria de fazer mais bass coveres, mas como exige muito tempo de dedicação, tem ficado para depois...
Tarcísio Caetano gosta desta mensagem
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Eu não gosto, mas gosto, hehe.
Conheço bastante coisa, escutei muito DT nessa vida, mas há muito não é o tipo de coisa que me empolga.
Dei uma passada rápida no post, que é rico em informações e detalhes. Parabéns pelo trabalho, Tarcísio, vou dar uma lida com calma logo mais.
Conheço bastante coisa, escutei muito DT nessa vida, mas há muito não é o tipo de coisa que me empolga.
Dei uma passada rápida no post, que é rico em informações e detalhes. Parabéns pelo trabalho, Tarcísio, vou dar uma lida com calma logo mais.
Jãozeiro- Membro
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Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Obrigado, JoãoJãozeiro escreveu:Eu não gosto, mas gosto, hehe.
Conheço bastante coisa, escutei muito DT nessa vida, mas há muito não é o tipo de coisa que me empolga.
Dei uma passada rápida no post, que é rico em informações e detalhes. Parabéns pelo trabalho, Tarcísio, vou dar uma lida com calma logo mais.
Mas atente para o "detalhe" que todo o texto, fotos e seleção dos vídeos foi feito pelo Guilherme Mitre, que me aplicou o DT pela primeira vez, e sabe muito da banda.
Tarcísio Caetano- Membro
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Localização : Brasil
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Excelente contribuição, Tarcisão (e Guilherme).
fheliojr- Membro
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Localização : Fortaleza-CE
Tarcísio Caetano gosta desta mensagem
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Valeu Tercísio...gosto muito da banda também
Mesmo assim confesso que acho os últimos discos cansativos (gosto até o Train of Thought)...mas essa fase mais "antiga" eu não deixo de ouvir não.
Ando em uma fase que tou mais para Winery Dogs rs.
Abraço!
Mesmo assim confesso que acho os últimos discos cansativos (gosto até o Train of Thought)...mas essa fase mais "antiga" eu não deixo de ouvir não.
Ando em uma fase que tou mais para Winery Dogs rs.
Abraço!
Jeff- Membro
- Mensagens : 118
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Tarcísio Caetano gosta desta mensagem
Re: Dream Theater: Uma história fascinante (Parte I - "Era Portnoy")
Excelente post! Metropolis Pt. II está no meu top 5 com certeza, que trabalho maravilhoso! Depois da saída do Portnoy, minha boa vontade com Dream Theater nunca mais foi a mesma, devo confessar.
Tarcísio Caetano gosta desta mensagem
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